quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Zé Milton

















Aos domingos, havia catequese na Capela Anjo da Guarda, na fazenda onde eu morava. Participavam das aulas crianças do Bairro Moreschi e de toda redondeza. Construída em alvenaria, o templo era grande para atender toda àquela comunidade rural. Havia bancos de madeira, o altar, com Cristo Crucificado, a mesa usada pelo Padre Pedro para rezar as missas, um lustre marrom sobre a mesa. Os vidros eram azuis, o que fazia com que tudo lá fora parecesse o céu. Era o prédio mais bonito da fazenda e o único lugar onde ficávamos quietos. Passarinhos nos sobrevoavam enquanto esperávamos a aula começar.
Então, lá vinha ele, o Zé Milton, um trabalhador rural. Não sei quanto tempo ele teve de estudo, só sei que trabalhava na roça. Era moreno e usava barba, tinha os cabelos compridos até os ombros e um sorriso encantador. Ele era um dos motivos por nós estarmos lá, todos os domingos de manhã. Zé Milton era o nosso professor de catequese. Quando começava a ensinar, nossos olhos e ouvidos se abriam para não perder nada do que falava. Ele lecionava com paixão e bom humor. Fazia-nos rir o tempo todo, e isto mantinha a turma acessa para aprender. Ele contava histórias bíblicas e nos ensinava valores cristãos com simplicidade e amor, usando fatos do nosso cotidiano. Não sei onde aprendera aquela metodologia, se não havia cursado o Magistério. Tempos depois, descobri que ser professor exige mais vocação que estudo. E isso, Zé Milton tinha de sobra. 
Quando não estava na igreja, ele trabalhava como qualquer outro, capinando, plantando e colhendo. Sua vida não tinha nenhum luxo. Penso que hoje, com sua forma genial de ensinar, ele poderia ter uma carreira promissora em cursinhos ou universidades. Poderia ser reconhecido, ganhar muito dinheiro, ser respeitado pela sua sabedoria.
Mas nada disso aconteceu. Nós nos mudamos da fazenda, a igreja já não há mais missas ou aula de catequese, por causa do Êxodo Rural; apenas um casal de corujas vive lá dentro, sobre o lustre marrom. Zé Milton, porém, continuou por lá, lavrando a terra, cuidando de animais. Talvez nem saiba como marcou a minha vida e a de todas as crianças para quem lecionou na catequese. Talvez não saiba da importância que teve nos nossos domingos de manhã, da alegria que era ouvi-lo falar de Deus com tanta humildade e sabedoria.
Não sei se ele agiu errado em permanecer por lá e não investir numa carreira de sucesso. Pois como escrevera Ovídio: Bene vixit qui bene latuit. (Viveu bem quem soube viver na obscuridade.) Também não sei se ele fazia ideia do seu talento. Só sei que tenho saudades daquele tempo e daquele professor sem diploma ou remuneração. Quem passar pelas bandas do Moreschi, diga a ele que mandei um abraço e meus sinceros respeitos. Diga a ele que continua inesquecível para mim e para todos os que encantou um dia.

                               Denizia Moresqui
                                        2014
Capela Anjo da Guarda


3 comentários:

  1. Sou filha do Geraldo e da Odila, sobrinha do José Milton! Que texto lindo e emocionante. A última vez que vi meu tio pessoalmente eu era muito criança, já faz mais de 30 anos, mas essa é exatamente a lembrança que eu tenho dele, alguém divertido e muito sábio, apesar da simplicidade. Hoje graças a tecnologia, conseguimos nos comunicar com mais frequência, e ele segue divertindo e ensinando, com aquele jeitinho que só ele tem!

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  2. Olá, o Zé Milton está bem, venha pra cá visitá-lo quando puder.

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  3. Depois da leitura dos textos os organizem inícios meio e fim ,após cada grupo deverar escrever com suas palavras qual é o fato principal lembrado nos textos lidos

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