Era 1994, novembro. Eu estava no terceiro ano da universidade, estudava de manhã em Maringá, cidade vizinha a Itambé, onde eu moro. Era bem cansativo pegar o ônibus todos os dias, às seis horas da manhã e retornar às treze horas. Além disso, como eu era formada no Magistério, ainda trabalhava por contrato temporário como professora pela Prefeitura da minha cidade. Então, eu chegava de Maringá e ia direto para a escola, comia alguma coisa e já entrava na sala de aula, onde ficava até às cinco horas.
Chegado o fim do ano, não via a hora do contrato acabar para eu não trabalhar mais. Seria um alívio poder só estudar. Mas minha família passava por sérios problemas financeiros. Por isso, minha mãe queria que eu continuasse trabalhando. Para sorte dela, a prefeitura abriu inscrições para um concurso de professores. Sendo assim, ela queria que eu participasse da seleção de todo jeito.
Eu, é claro, queria me safar. Estudar já era bastante cansativo: pegar ônibus, ficar numa sala de aula, voltar para Itambé, fazer trabalhos infinitos... Já estava bom demais só estudar. Trabalhar estava fora dos meus planos. Eu ainda não tinha consciência da minha realidade e de que eu já era adulta, síndrome do Peter Pan.
Como eu me recusava a ir ao RH da prefeitura, minha mãe foi até lá e buscou a ficha de inscrição para que eu a preenchesse. No entanto, eu continuava contrária a proposta. Porém uma certa dor na consciência começou a tomar conta de mim. E o incômodo foi aumentando à medida que minha mãe insistia para que eu fizesse o concurso. Mas a preguiça ainda reinava.
Então tive uma ideia brilhante para aliviar meu remorso. Decidi consultar a opinião divina. Pensei: "Vou abrir a Bíblia e ler um versículo, que será a vontade de Deus. O que ele disser para eu fazer, eu faço." Mas na verdade, no fundo do meu eu interior, pensei: "A Bíblia tem 31.105 versículos*. Eu abro em qualquer um, leio e fico em paz com minha consciência. Afinal, Deus não disse nada. Será impossível encontrar no meio de tantos versículos um que me mande trabalhar." Como diria Machado de Assis: "Capciosa natureza!"
Mãos à obra. Peguei a Bíblia e ainda matutei: "Vou ler só um versículo para não correr nenhum risco." Abri em 2ª Tessalonicenses, capítulo 3, versículo 10, no qual está escrito: "Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, também não coma."
...
*Bíblia Almeida Revista e Corrigida.
Machado de Assis, do conto Uns braços.
Machado de Assis, do conto Uns braços.
Nenhum comentário:
Postar um comentário