MEU PÉ DE GOIABA
Quando
se nasce numa fazenda, uma de suas primeiras obrigações é aprender a subir em
árvores, principalmente frutíferas. Na Fazenda Anjo da Guarda, havia muitas: castanheira, mexeriqueira, laranjeira, pereira, mangueira, limoeiro, abacateiro... e por aí vai.
A tática
é simples: primeiro você observa a árvore para ver se o fruto vale a pena;
depois se aproxima do tronco, segura o galho mais baixo com uma das mãos e o
outro já coloca no galho mais acima, enquanto seus pés vão procurando apoio no
tronco. Quando olha ao seu redor, está cercado de frutas, que você come sem
lavar. Abaixo, o chão é o limite, então é preciso se segurar firme.
Havia
árvores em volta da minha casa e no pomar, um pouco mais distante. Eu subia em
todas. Meu recorde foi vencer uma paineira. Todo mundo sabe que o tronco da
paineira é cheio de espinhos e ela não dá frutas. Mas ela dá paina. Como eu era
chamada de cabelo de paina, queria ver de perto e sem sujeita de terra aquela
pluma. A curiosidade é a mola propulsora da coragem. Fiquei toda estrepada, mas
venci.
A minha
árvore preferida era a goiabeira, ou pé de goiaba, como dizíamos. Havia um
atrás da privada. Eu ficava muito tempo lá em cima, observando as vacas no
pasto. Sempre tive fascinação por altura e por goiaba. Então, estava no
paraíso.
Em julho
de 1980, minha família mudou-se para a cidade de Itambé. Foi estranho. Nosso
limite era a casa e um quintal com um abacateiro imenso e, para minha sorte, um
pé de goiaba. Ele era magrelo, quase sem folhas e nenhum fruto. Nem sei se
algum dia, aquela árvore teve a alegria de frutificar, mas era o que eu tinha
agora.
Eu subi
no pé de goiaba e fiquei analisando ao redor. Meu horizonte diminuiu, vida
nova. Como não havia goiabas, eu ficava conversando com a árvore, deitava em
seus galhos, balançava, pulava no chão e subia novamente. Apesar de ficar bem
próximo da casa, quando eu estava sobre a goiabeira, quase ninguém me via.
Minha mãe me chamava pra enxugar louça, o que eu odiava, e eu ficava quietinha
até a Ducimara enxugar, me praguejando. Quando me viam, diziam: “Lá está a
macaca branca preguiçosa!”
Um dia,
percebi que a goiabeira florescera e, dentro de pouco tempo, apareceram seus
primeiros frutos. O que começou timidamente logo explodiu em fartura. Eram
tantas goiabas que nós e os bichos ficamos abastados. Meu pé de goiaba estava
me presenteando pela atenção e carinho que eu lhe dava. Até uma árvore
frutifica quando é bem tratada!
Sim,
meu pé de goiaba me deu frutas por vários anos. Mas um dia, a família decidiu
construir um barracão no fundo do quintal. Poderia ser chamado hoje de edícula,
era de madeira, com local para área de serviço e uma despensa. O quintal era
grande, no entanto, decidiram cortar o pé de goiaba para construir bem em cima
do mísero terreno que ele ocupava.
Eu
poderia ter protestado, dito que aquilo era uma absurdo, derrubar uma árvore
com tanto espaço em volta, que fizessem o barracão mais para cima... eu poderia
ter dito muita coisa. Mas eu não sabia discutir. Eu não disse nada. Resignei-me.
Esse silêncio ainda grita em mim. Vi a queda do meu amigo, folha a folha, galho
a galho, cortou-se o tronco e fim. Fez-se o barracão e minha árvore foi
esquecida por todos, menos por mim.
Até
hoje, a goiaba é minha fruta preferida, não sei se pelo sabor ou pela história.
Ainda não consigo discutir. Minha boca se cala e, se tento falar, gaguejo. A
oralidade não é meu forte. Mas já desisti de ser diferente. Talvez o silêncio
seja a única forma de expressar minha indignação. Talvez por isso, eu gostasse
tanto do silêncio das árvores.
Denizia Moresqui
4/11/2016
Muito bom!
ResponderExcluirObrigada, amigo.
ExcluirProf parabéns pelo texto
ResponderExcluirObrigada.
Excluiradorei o texto pena que essa arvore foi cortada
ResponderExcluirMim ajudem
ResponderExcluira responder pfv as questões👄😍
Ajudo, sim.
ResponderExcluir