De vez em quando, no Sítio Pé no
Brejo, a barriga pedia carne, não a carne branca do frango, nem a carne magra
de boi. A barriga queria a opulenta e gordurosa carne de porco, que fazia
entupir as veias e alegrava o paladar.
Mas sempre havia gente querendo faturar o porco alheio. Então tudo
acontecia como uma partida de futebol:
“_ Bem amigos do Sítio Pé no Brejo,
vai começar agora o grande espetáculo da roça: O dia de matar o porco. E as
equipes já vão se aproximando do chiqueiro, de um lado: família Azambuja, dona
do porco, do outro, visitantes. É com você Comem Tarista.
_ A família Azambuja vem tentando
faturar o seu próprio porco há várias rodadas. Mas sabe como é, os visitantes
sempre aparecem e levam a melhor.
_
Já vai começar a matança. O porco é escolhido e separado no chiqueiro. Véio Azambuja amola a faca. As crianças ficam atentas, não se importam com o coitado
do porco, só querem saber do toucinho. Os irmãos Toim e Janjão seguram o bicho,
o Véio vem com a faca e fuuuuraaaaaa... o bucho do porco.
_ Foi uma furada e tanto. Ouça os gritos
do suíno, Gavião do Mato.
_ A galera vibra. É hoje que a gente
mata a fome. Recolhem o sangue pra fazer chouriço, é só alegria.
_ Os visitantes já estão de olho nos melhores pedaços, antes
mesmo do porco ser cortado.
_ Os irmãos Azambuja pegam o animal,
colocam sobre uma mesa rústica, jogam álcool no bicho e taaaaaacam fogo no
pêlo.
_ O porco ficou todo sapecado.
_ Agora o Véio amola mais a faca.
Rapa daqui, rapa dali e jooooooga os pelos fora. Prá foooooora, porco com pelo
não dá.
_ Beba Caninha Bafo de Onça. A pinga
que todo pau d’água aprecia sem moderação.
_ Está chegando um momento importante
da lida: a hora de cortar o porco.
_ Muita calma nesta hora. Senão dá
briga!
_ O Véio segura firme a faca, fura a
garganta do porco e veeeeeem rasgando o bicho até embaixo. É tripa prum lado, é
rim pro outro e quaaaaaaaaaase cai tudo no chão.
_ Momento perigoso, quase que o Véio põe tudo a perder.
_ Agora com o porco aberto, separa as
tripas, separa o fígado, joga o que não presta fora e fimmm do primeiro tempo.
_
Foi uma repartida e tanto até agora. A família Azambuja vem dando tudo de si,
mas os visitantes ficam só de butuca
esperando o momento certo prá atacar. É com você, repórter Leitão.
_ Estou aqui com uma das crianças da
fazenda. O que você acha que acontecerá depois deste intervalo?
_ A gente vai lá prá porta do paiol,
esperar que o porco seja fatiado.
_ O que vocês pretendem com isso?
_ Nós vamos pedir toucinho. É uma
delícia.
_ Mas vocês vão comer cru mesmo?
_ E daí?
_ E os vermes?
_ A gente deixa um pouquinho prá eles.
_ Agora nós vamos dar uma parada para
ir ao mitório e voltamos em poucos minutos com o segundo tempo da matança.
_ Carroças Pé de Bode, segurança e rapidez
no seu transporte. Quer ir longe? Vá de Carroças Pé de Bode. As únicas com
burro embutido.
_ Sensacional Baile Caipira. Venha e traga sua família. Neste
sábado, a partir das nove da noite no Salão Chaparral, onde sua noite é animal.
_ Bem amigos do Sítio Pé no Brejo,
voltamos para o segundo tempo da matança do porco. O bicho já foi levado para o
paiol. A família Azambuja se posiciona
dentro e fora do local. Os visitantes, com cara de quem não querem nada, ficam
por ali na observação. O Véio corta a cabeça do animal, depois as patas.
Passa a faca pro Janjão que dribla uma costela, dribla outra...
_ Olha o grito da galera.
_ Comê, comê, comê...
_ Janjão passa a faca pro Toim.
Mas o que aconteceu com o Janjão?
_ Ele pede pra sair, alegando que está
sentindo a panturrilha de porco que
comeu.
_ Bem na hora do toucinho!
_ É, o toucinho é aguardado
ansiosamente pelas crianças. É um momento de muita responsabilidade. Será que o
Janjão amarelou?
_ É uma questão complicada de
responder. Entra no lugar do Janjão, o Balança Pança.
_ O Balança Pança é um cortador de
habilidade. Veja só a barriga dele. É preciso cortar muita carne pra encher
aquilo tudo. Dizem até que ele está sendo cotado para cortar carne de vaca
louca na Europa.
_ Balança Pança pega a faca. Corta um
toucinho, dois, três e joooooooooogaaaa prás crianças. Mas o cachorro catou.
Inacreditável, o cachorro catou.
_ Esse cachorro deve ser de algum
visitante. Entrou bem na frente da molecada e abocanhou o toucinho. A visita,
quando vem, traz até os cachorros.
_ Mata Berne do Juvenal. Você e seu
gado estão com bernes, usem o Mata Berne do Juvenal. Vendido em qualquer venda
de fazenda.
_ O porco está todo cortado. Agora vai
ser repartido. Cabeça pro padrinho do Jorjão, costelinha pra Dona Margarida,
lombinho pro guarda.
_ Pro guarda? Mas o que é que o guarda
tá fazendo aqui?
_ É ele que quebra os galhos da
família.
_ Tá explicado.
_ Chouriço pro Zé da Horta, tripas pra
Dona Divina.
_ Mas o que que a Dona Divina vai
fazer com as tripas?
_ Sabão prá vender. A mulher precisa
viver.
_ É agora, é agora que vai chegar o
pernil. Familía Azambuja tenta pegar, mas os visitantes atacam, passam por cima
de todo mundo e é... gol, gooooooooolodice dos visitantes. Goooooolodice. Foi
Balança Pança prum lado, pernil pro outro e os visitantes levam a melhor.
_ Você vê a cara de desolação da
Família Azambuja. Perderam as tripas, a costelinha, o lombinho e agora o
pernil. É um momento desesperador.
_ Mas o que é isso, Balança Pança
parte pra cima dos visitantes. A família Azambuja chega prá tentar amenizar a
situação. Deixa disso, Balança Pança.
_ Vai ser expulso da lida. Brigar por
causa de mistura é muito feio!
_ Tá complicada a situação da família
Azambuja. Complicada a situação. E agora ela tem um cortador a menos.
_ Só um milagre agora pode mudar o
resultado desta repartida.
_ Ainda restam alguns pedaços do
porco, quem levará o fígado? Mas o que é isso, o juiz mandou o oficial de
justiça dar um documento pra família
Azambuja. O sítio vai pra leilão. O Sítio Pé no Brejo vai pra leilão. É com
você Arnaldo Trata Coelho.
_ A regra é clara. Não pagou as
dívidas, perde o sítio.
_ A família Azambuja ajuda todo mundo,
os visitantes vão ajudá-la nesta situação embaraçosa.
_ É? Olha só, os visitantes correndo.
Nesta hora, todo mundo dá no pé.
_ Fim de porco. Visitantes tudo,
família Azambuja nada.
_ Depois
desta repartida, a família Azambuja cai pra segunda classe social. Agora o
jeito é tentar entrar para o Movimento dos Sem Tudo e voltar pra primeira
classe na próxima década.
_É um rebaixamento terrível, visto o
esforço desta família na distribuição da carne.
_Mas a vida é assim: hoje se perde,
amanhã também.
_Obrigado a todos pela paciência e até
o próximo porco.
_O chiqueiro também será leiloado, não
haverá próximo porco.
_Ah, é. Até o próximo arroz com feijão
e farinha. Porco, a gente não vê mais ele aqui.”
Denizia Moresqui
22/02/08
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