quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O dia de matar o porco



        


       De vez em quando, no Sítio Pé no Brejo, a barriga pedia carne, não a carne branca do frango, nem a carne magra de boi. A barriga queria a opulenta e gordurosa carne de porco, que fazia entupir as veias e alegrava o  paladar. Mas sempre havia gente querendo faturar o porco alheio. Então tudo acontecia  como uma partida de futebol:

       “_ Bem amigos do Sítio Pé no Brejo, vai começar agora o grande espetáculo da roça: O dia de matar o porco. E as equipes já vão se aproximando do chiqueiro, de um lado: família Azambuja, dona do porco, do outro,  visitantes.  É com você Comem Tarista.
       _ A família Azambuja vem tentando faturar o seu próprio porco há várias rodadas. Mas sabe como é, os visitantes sempre aparecem e levam a melhor.
       _  Já vai começar a matança. O porco é escolhido e separado no chiqueiro. Véio Azambuja amola a faca. As crianças ficam atentas, não se importam com o coitado do porco, só querem saber do toucinho. Os irmãos Toim e Janjão seguram o bicho, o Véio vem com a faca e fuuuuraaaaaa... o bucho do porco.
       _ Foi uma furada e tanto. Ouça os gritos do suíno, Gavião do Mato.
       _ A galera vibra. É hoje que a gente mata a fome. Recolhem o sangue pra fazer chouriço, é só alegria.
       _ Os visitantes  já estão de olho nos melhores pedaços, antes mesmo do porco ser cortado.
       _ Os irmãos Azambuja pegam o animal, colocam sobre uma mesa rústica, jogam álcool no bicho e taaaaaacam fogo no pêlo.
        _ O porco ficou todo sapecado.
        _ Agora o Véio amola mais a faca. Rapa daqui, rapa dali e jooooooga os pelos fora. Prá foooooora, porco com pelo não dá.
        _ Beba Caninha Bafo de Onça. A pinga que todo pau d’água aprecia sem moderação.
        _ Está chegando um momento importante da lida: a hora de cortar o porco.
        _ Muita calma nesta hora. Senão dá briga!
       _ O Véio segura firme a faca, fura a garganta do porco e veeeeeem rasgando o bicho até embaixo. É tripa prum lado, é rim pro outro e quaaaaaaaaaase cai tudo no chão.
        _ Momento perigoso, quase que o Véio põe tudo a perder.
        _ Agora com o porco aberto, separa as tripas, separa o fígado, joga o que não presta fora e fimmm do primeiro tempo.
        _ Foi uma repartida e tanto até agora. A família Azambuja vem dando tudo de si, mas os  visitantes ficam só de butuca esperando o momento certo prá atacar. É com você, repórter Leitão.
        _ Estou aqui com uma das crianças da fazenda. O que você acha que acontecerá depois deste intervalo?
        _ A gente vai lá prá porta do paiol, esperar que o porco seja fatiado.
        _ O que vocês pretendem com isso?
        _ Nós vamos pedir toucinho. É uma delícia.
        _ Mas vocês vão comer cru mesmo?
        _ E daí?
        _ E os vermes?
        _ A gente deixa um pouquinho prá eles.
        _ Agora nós vamos dar uma parada para ir ao mitório e voltamos em poucos minutos com o segundo tempo da matança.
        _ Carroças Pé de Bode, segurança e rapidez no seu transporte. Quer ir longe? Vá de Carroças Pé de Bode. As únicas com burro embutido.
        _ Sensacional Baile Caipira. Venha e traga sua família. Neste sábado, a partir das nove da noite no Salão Chaparral, onde sua noite é animal.
        _ Bem amigos do Sítio Pé no Brejo, voltamos para o segundo tempo da matança do porco. O bicho já foi levado para o paiol. A família Azambuja  se posiciona dentro e fora do local. Os visitantes, com cara de quem não querem nada, ficam por ali na observação. O Véio corta a cabeça do animal, depois as patas. Passa a faca pro Janjão que dribla uma costela, dribla outra...
         _ Olha o grito da galera.
         _ Comê, comê, comê...
         _ Janjão passa a faca pro Toim. Mas o que aconteceu com o Janjão?
         _ Ele pede pra sair, alegando que está sentindo a panturrilha de porco que  comeu.
         _ Bem na hora do toucinho!
         _ É, o toucinho é aguardado ansiosamente pelas crianças. É um momento de muita responsabilidade. Será que o Janjão amarelou?
         _ É uma questão complicada de responder. Entra no lugar do Janjão, o Balança Pança.
         _ O Balança Pança é um cortador de habilidade. Veja só a barriga dele. É preciso cortar muita carne pra encher aquilo tudo. Dizem até que ele está sendo cotado para cortar carne de vaca louca na Europa.
         _ Balança Pança pega a faca. Corta um toucinho, dois, três e joooooooooogaaaa prás crianças. Mas o cachorro catou. Inacreditável, o cachorro catou.
         _ Esse cachorro deve ser de algum visitante. Entrou bem na frente da molecada e abocanhou o toucinho. A visita, quando vem, traz até os cachorros.
         _ Mata Berne do Juvenal. Você e seu gado estão com bernes, usem o Mata Berne do Juvenal. Vendido em qualquer venda de fazenda.
         _ O porco está todo cortado. Agora vai ser repartido. Cabeça pro padrinho do Jorjão, costelinha pra Dona Margarida, lombinho pro guarda.
         _ Pro guarda? Mas o que é que o guarda tá fazendo aqui?
         _ É ele que quebra os galhos da família.
         _ Tá explicado.
         _ Chouriço pro Zé da Horta, tripas pra Dona Divina.
         _ Mas o que que a Dona Divina vai fazer com as tripas?
         _ Sabão prá vender. A mulher precisa viver.
      _ É agora, é agora que vai chegar o pernil. Familía Azambuja tenta pegar, mas os visitantes atacam, passam por cima de todo mundo e é... gol, gooooooooolodice dos visitantes. Goooooolodice. Foi Balança Pança prum lado, pernil pro outro e os visitantes levam a melhor.
         _ Você vê a cara de desolação da Família Azambuja. Perderam as tripas, a costelinha, o lombinho e agora o pernil. É um momento desesperador.
         _ Mas o que é isso, Balança Pança parte pra cima dos visitantes. A família Azambuja chega prá tentar amenizar a situação. Deixa disso, Balança Pança.
         _ Vai ser expulso da lida. Brigar por causa de mistura é muito feio!
         _ Tá complicada a situação da família Azambuja. Complicada a situação. E agora ela tem um cortador a menos.
         _ Só um milagre agora pode mudar o resultado desta repartida.
       _ Ainda restam alguns pedaços do porco, quem levará o fígado? Mas o que é isso, o juiz mandou o oficial de justiça dar um documento  pra família Azambuja. O sítio vai pra leilão. O Sítio Pé no Brejo vai pra leilão. É com você Arnaldo Trata Coelho.
         _ A regra é clara. Não pagou as dívidas, perde o sítio.
     _ A família Azambuja ajuda todo mundo, os visitantes vão ajudá-la nesta situação embaraçosa.
         _ É? Olha só, os visitantes correndo. Nesta hora, todo mundo dá no pé.
         _ Fim de porco. Visitantes tudo, família Azambuja nada.
       _ Depois desta repartida, a família Azambuja cai pra segunda classe social. Agora o jeito é tentar entrar para o Movimento dos Sem Tudo e voltar pra primeira classe na próxima década.
         _É um rebaixamento terrível, visto o esforço desta família na distribuição da carne.
         _Mas a vida é assim: hoje se perde, amanhã também.
         _Obrigado a todos pela paciência e até o próximo porco.
         _O chiqueiro também será leiloado, não haverá próximo porco.
         _Ah, é. Até o próximo arroz com feijão e farinha. Porco, a gente não vê mais ele aqui.”

             Denizia Moresqui
                    22/02/08

         

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