quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A galinha ou eu!


                                                                                 
                                                                               



     estava ele, entre o paiol e o pé de limão, reinando absoluto na hora da dor de barriga: o mictório, ou privada, ou W. C. caipira.
      Pra vocês que têm menos de trinta anos e nunca moraram em sítio, aqui vai a descrição do mictório: uma casinha bem pequena de madeira, dentro tem uma caixa grande com um buraco em forma de losango, onde a gente se sentava para... bem, para fazer o que hoje vocês fazem no vaso sanitário.
      O nosso mictório era bem velho e ficava a uns dez metros da casa. Ter dor de barriga de madrugada estava fora de questão, já que nem luz elétrica havia lá.
      O fato que vou lhes contar agora, do qual o mictório, é personagem principal, ocorreu por volta de 1978, quando eu tinha uns cinco anos. Desde bebê, morei numa fazenda. Minha mãe criava os cinco filhos e as galinhas soltos no quintal. A gente mal sabia a diferença entre nós e elas. Só sabíamos que as galinhas eram nossas amigas e que nós as comíamos no almoço de domingo.
      Eu sempre gostei de animais, talvez porque me sentisse como um deles. Conversava com cavalos, ouvia as queixas dos pintinhos, desabafava com a vaca...
      Um dia, porém, uma galinha nova olhou para mim com ar arrogante, parecia se sentir superior à minha pessoa. Quando dei por mim, estava eu perseguindo a danada a fim de dar-lhe uma surra. Eu corria pra um lado, a galinha pro outro; quando quase conseguia pegá-la, ela se esgueirava e fugia. Foi então que a infeliz correu para o lado do mictório: o personagem principal desta história.
      Como eu estava determinada a dar uma lição na famigerada, continuei na caça. Ela entrou no mictório e eu atrás. Quando se viu encurralada, deu uma esvoaçada (porque galinha não voa, esvoaça), e não é que a penosa caiu bem dentro do buraco do mictório.
      __ E agora, o que farei?__ pensei em voz alta. Olhei para fora do estabelecimento. Não havia ninguém, nenhuma testemunha do meu crime. Então saí assoviando (se eu soubesse assoviar). Fingi que nada havia acontecido. Pois se eu contasse à minha mãe era surra na certa, tirariam a galinha de lá, mas eu entraria na cinta.
       __ Se fiquei com remorso?
       Sim, fiquei por um ou dois minutos. Remorso de criança e de bêbado tem breve duração. Depois me esqueci de tudo brincando com meus irmãos e primos.
       Algum tempo passou, não sei se um mês ou um ano. Porque, para as crianças, o tempo passa diferente, um dia pode parecer uma semana. Então, passado o tempo, alguém olhou para o mictório e disse:
       __ Está velho, vamos derrubar.
       Não pense que ganharíamos um vaso sanitário. Isso era algo impensável naqueles dias. Ganharíamos um mictório novo em cima do mesmo buraco.
       Tira telha, tira tábua, tira ripa, tira piso...
        E então o que surgiu foi assombroso. Adivinhem quem surgiu da... (as reticências falam por si) “a galinha” viva e saudável. Foi retirada do buraco e passou a caminhar espantada pelo quintal. Mais espantados ficaram os moradores da fazenda, principalmente eu, que sabia (ou imaginava) quanto tempo a coitada passou lá.
        Estão pensando que eu contei tudo à minha mãe? Que nada, até hoje só eu e a galinha conhecíamos a verdade e como ela não falava... escapei. Só com trinta e quatro anos resolvi contar ao mundo nossa história. Uma homenagem póstuma à galinha. Quem será que a comeu?

        
                Denizia Moresqui
                      25/05/07

Essa história foi escolhida no Projeto Revelando os Brasis, do Instituto Marlim Azul, patrocinado pela Petrobras, e virou filme em 2011.

Link do filme A galinha ou eu! 
https://www.youtube.com/watch?v=YG6Qmh9jRA0&t=114s

Entrevista sobre o filme ao Canal Futura
https://www.youtube.com/watch?v=ZR8cfJnSRDc

Making of do filme:
https://www.youtube.com/watch?v=ZmETFFKEjY4

Documentário sobre a produção do filme: Raio X Petrobras - 6 episódios

Trailler https://www.youtube.com/watch?v=YUwpoR66Lpg

Episódio 1 https://www.youtube.com/watch?v=Tp5qr3FE9b4

Episódio 2 https://www.youtube.com/watch?v=Tp5qr3FE9b4

Episódio 3 https://www.youtube.com/watch?v=LYIG1kMpFrc

Episódio 4 https://www.youtube.com/watch?v=LYIG1kMpFrc

Episódio 5 https://www.youtube.com/watch?v=Ifxoi3DFKrs

Episódio 6 https://www.youtube.com/watch?v=nf-jb6LKyoY

Reportagem da Revista Petrobras sobre o filme


http://www.imazul.org/revelando//_midias/pdf/revista_petrobras_p2-2285-4dd2c2f83db64.pdf

2 comentários:

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