quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Linguagem

                                                                                   



Letras, minha formação. Aprendi a amar as palavras desde cedo. Pelo som, pelo significado ou pelo que eu ignorava delas. Aprendi também o valor das palavras na busca de meus objetivos.
Tenho quatro irmãos, todos mais fortes do que eu. Então quando eu queria tirar alguma coisa deles, de maneira nenhuma poderia usar a força, seria surra na certa. Eu também não sabia discutir. Recorria sempre à sutileza da palavra, ao convencimento pela linguagem. Eu os observava durante todo o dia, seus gestos, humor, até definir que palavras usar, o tom de voz e o momento certo de atacar. Batata! Sucesso em 99% das tentativas. Minha força era a linguagem.
E assim cresci e fui conquistando meu espaço. Por vocação, eu queria ser jornalista. Mas por não haver este curso próximo à minha cidade, minha mãe sugeriu que eu fizesse Letras. Amei o curso e consegui novas armas paras as minhas batalhas.
Aos 36 anos de idade, já bastante íntima das palavras, tive um filho. Um lindo menino que demorou a falar. Eu pensava: falar é difícil mesmo! Mas fui percebendo que não era só falar que ele não sabia, era interagir, se comunicar por outras formas. Veio o diagnóstico: autista savant. Meu filho era um gênio aprisionado em um mundo particular.
E agora: eu que tanto apreciava a linguagem, estava diante da incógnita de um filho que vivia num mundo sem interação. Que armas usar para essa batalha? Minhas palavras não faziam o menor sentido para ele. Eu não conseguia me comunicar, ensinar... nada. Era só silêncio.
Então fiz o que qualquer mãe faria: demonstrei meu amor através de abraços, beijos, carinho e dizia, frequentemente, eu te amo. As primeiras palavras, faladas e lidas por ele, vieram aos três anos de idade: papai, mamãe, água.... Muitas eram ditas fora de contexto, mas eu as amava assim mesmo.
Passaram os dias, entre poucas palavras e muitos gestos de amor, meus e dele. Amar era tudo o que eu podia fazer. Meu domínio da linguagem não tinha nenhum valor para meu filho. Eu tive que aprender junto com ele um novo tipo de comunicação... e aprendi.
Até que aos 4 anos, finalmente, ele olhou pra mim e disse sua primeira frase: Te amo.

Denizia Moresqui

06/12/2016

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