quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

HISTÓRIA DE ITAMBÉ - PARTE 14



                                        A ZONA
            A prostituição, troca de favores sexuais por dinheiro ou bem, iniciou-se na Antiguidade. Em muitas civilizações, meninas na puberdade se prostituíam como ritual de iniciação à vida adulta. Já na região da Mesopotâmia, Grécia e Egito, as prostitutas eram consideradas sacerdotisas que recebiam presentes em troca da ritualização do sexo. Pela Lei Mosaica, em Israel, a prática era severamente punida. Com o advento do Cristianismo, houve várias tentativas de pôr fim a esta profissão, tendo em vista, além dos dogmas cristãos, as várias doenças que transmitia. Neste período, houve uma diminuição no número de profissionais do sexo. No entanto, com a Revolução Industrial, o trabalho pesado e a fome, fizeram com que muitas mulheres se prostituíssem com seus patrões e capatazes; neste mesmo período, houve o aumento do tráfico de mulheres e crianças para fins sexuais. Em 1949, a ONU, Organização das Nações Unidas, começou uma campanha para controlar a prostituição no mundo.
              No Brasil, a prática teve início ainda na colonização. As prostitutas eram vistas como pacificadoras da violência sexual, além de salvaguardas do casamento. Mas também eram discriminadas e segregadas pela sociedade. Para muitas mulheres, a prostituição era a única forma de manter a sobrevivência. Havia as prostitutas que trabalhavam em finos bordéis e as do baixo meretrício.


Foto de George Craig Smith, primeira tirada em Londrina, em 1929
(site pesquisado em 19/03/2013)

         O Norte do Paraná também recebeu profissionais do sexo nos primeiros anos em que se formaram as cidades. De acordo com a dissertação de Antonio Paulo Benatti, apresentada à Universidade Federal do Paraná: O CENTRO E AS MARGENS Boemia e Prostituição na Capital “Mundial do Café” (Londrina: 1930-1970), Curitiba-1996, as zonas de prostituição também foram delimitadas pela Companhia de Terras Norte do Paraná. Até o final dos anos 40, a Rua Rio Grande do Sul e ruas adjacentes eram o local oficial para a prostituição na cidade de Londrina. A primeira casa de tolerância pertenceu a um nordestino que levou para a cidade uma prostituta de Ourinhos/SP, com promessas de que ela ganharia muito dinheiro. Lá, por volta do fim dos anos 20, ele construiu um casebre de palmito e inaugurou a casa com churrasco e cerveja. Dentro de poucos dias, mais quatro mulheres viajaram de Ourinhos a Londrina para trabalhar na casa. Em pouco tempo, a cidade recebeu centenas de prostitutas vindas do Rio de Janeiro, São Paulo, Uruguai, Argentina, que atendiam em bordéis finos ou zonas de baixo meretrício, atraindo visitantes de todas as classes sociais, gerando renda para hotéis, restaurantes, taxistas, entre outros. Nos anos 50 e 60, o aeroporto da cidade recebia cerca de dez voos particulares por final de semana, com fazendeiros em busca da Diana, um dos mais famosos bordéis de Brasil. Os aviões também transportavam as moças para as festas em outras cidades. A atividade chegou a ser considerada a maior atração turística de Londrina e também uma poderosa instituição social. Como Londrina serviu de modelo para as demais cidades do Norte do Paraná, as zonas de meretrício também fizeram parte do planejamento destas.

Cidade de Londrina, 1934
(Site pesquisado em 19/03/2013)

         O Norte do Paraná recebia mais homens que mulheres na sua colonização, então a prostituição era algo tolerado em praticamente todas as cidades, inclusive em Itambé.  Havia mais de cento e cinquenta mulheres que trabalhavam como prostitutas neste Município na época da hortelã menta. A zona se estendia por três quadras e dezenas de casas, no fim das Ruas São Pedro, José Joaquim Pereira e Dr. Lafayte de A. Grenier, sentido Oeste.
         A primeira prostituta a trabalhar aqui foi a Senhora M. A. C. . Ela chegou à cidade no início dos anos 50 trazida por um fazendeiro e fundou a primeira casa de tolerância de Itambé. Aos poucos, ela trouxe outras mulheres para trabalhar no local. Logo a notícia da chegada de “novas mercadorias”, como eram chamadas, se espalhou por todo o lugarejo.
         Os frequentadores das casas eram homens solteiros e casados. Os peões solteiros que trabalhavam nas máquinas de café eram os maiores fregueses. Nos fins de semana, a frequência aumentava, chegando a 150 homens por noite. Havia bailes em vários salões todos os sábados com música ao vivo.

Charrete usada para levar as prostitutas ao centro da cidade

         Quando essas mulheres precisavam fazer compras, iam de charrete até centro da cidade. Na Zona, como era conhecido o local, havia cinco ou seis charretes de aluguel. No comércio, os produtos eram vendidos a preços mais altos para elas. As mulheres honravam seus compromissos, mesmo comprando no crédito, nunca deixavam de pagar suas contas. Diva Granero, quando criança, lembra que elas compravam na loja de móveis de sua família, Casa de Móveis Granero. A menina ficava escondida para vê-las, pois as considerava bonitas e bem vestidas. Jorge de Jesus conta que as meretrizes tratavam de seus dentes com seu tio, João Godoy.
         Apesar de ganharem muito dinheiro, nenhuma delas constituiu patrimônio. Para aumentarem sua renda, elas eram obrigadas a beber muito com os homens, até passarem mal. Além disso, a violência contra as prostitutas era constante, sem haver leis que as defendesse. Os espancamentos deixavam marcas em seus corpos e almas.
         A casa de M. A. C. era uma das mais frequentadas pela forma como ela tratava os fregueses. As próprias inquilinas eram diferentes, mais finas, lá não havia brigas. Durante a noite, M. A. C. tocava o movimento do bordel e de dia, em terras arrendadas, plantava hortelã, milho e feijão com a ajuda das outras mulheres da sua casa, só não iam para a roça as grávidas e as lactantes.
        Quando as meretrizes de sua casa davam à luz, M. A. C. assumia a maternidade das crianças, as matriculava em escolas particulares de Mandaguari e pagava por seus estudos. Hoje, seus filhos de criação tem papel de destaque na sociedade. Há entre eles gerente de banco, de cooperativa, policial graduado da polícia militar, professoras, advogados e comerciantes. M. A. C. trabalhou em Itambé até 1983, depois foi para Londrina, onde se tornou feirante com várias barracas. Ela gostava muito de crianças. Quando alguns meninos, por curiosidade, iam até a Zona, ela os aconselhava a saírem de lá por não ser local para eles. Um de seus conselhos é lembrado até hoje, ela sempre repetia:

      “O alheio chora o seu dono; o que não é teu não te pertence.”

          A Zona de Prostituição durou até 1985. Após o êxodo rural, o movimento diminuiu, além disso, a abertura do mercado de trabalho para as mulheres fez com que elas adquirissem independência financeira e liberdade sexual. A Zona já não era a única opção de vida para as solteiras que levavam vida sexual ativa. Então o número de mulheres que ia para a prostituição diminuiu. A maioria das prostitutas daqui foi embora para outras cidades, as que ficaram mudaram de profissão e algumas se casaram.
           Das muitas histórias que aconteceram na zona, uma merece destaque. No local havia um empório e o dono era amante de uma das prostitutas. Certo dia, a mulher precisava de dinheiro e teceu um plano. Na sua cozinha, havia um poço e ela deixou uma lata de querosene cheia de terra ao lado dele. Depois foi até o empório, discutiu com seu amante por causa de dinheiro e disse a ele que iria se matar. Saiu correndo, entrou na casa, deixou seus chinelos ao lado do poço, jogou a lata de terra lá dentro e se escondeu no meio do cafezal. Sua intenção era deixar o amante com remorso, para que ele lhe desse dinheiro. Isto aconteceu por volta das vinte e uma horas.
           As outras prostitutas, vendo seus chinelos ao lado do poço e ouvindo o barulho da lata caindo na água, acreditaram que a mulher havia se jogado no poço e começaram a gritar desesperadas. Então, apareceu um homem com um farolete e iluminou o fundo do buraco. Como a terra da lata estava bem seca, a água borbulhava e parecia que havia alguém se afogando. A polícia foi chamada, que na época, tinha um “calça curta” como delegado. Este chamou um rapaz que trabalhava com poços, conhecido como Pernambuco Poceiro, para resgatar a mulher. O delegado ainda teve que ir de caminhonete buscar as ferramentas do poceiro no centro da cidade. O rapaz instalou seus equipamentos ao lado do poço e começou a retirar a água. Quando já havia retirado quase toda a água, o poceiro desceu ao buraco e vasculhou o local até encontrar a referida lata. Então o delegado chegou à conclusão de que a prostituta simulou o suicídio. Neste momento, já eram quatro horas da manhã.
            Enquanto isso, a mulher pegou um táxi e foi se esconder numa outra casa de prostituição chamada de Pau Pereira, na cidade de Marialva. O delegado, indignado com a ocorrência, jurou prisão de uma semana para a falsa suicida. Mas ela era amiga de um alto servidor judiciário, este lhe deu uma carta dizendo que a portadora da mesma era uma pessoa de sua grande estima e que estava proibida qualquer ameaça policial contra ela. A mulher não teve coragem de entregar a carta na delegacia, procurou o Juiz de Paz e pediu a ele que entregasse a carta ao delegado. A importância do remetente decretou: assunto encerrado.

2 comentários:

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  2. duvido alguém reclamar que algum antepassado seu não foi citado aqui =D =D =D =D

    (y)

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