terça-feira, 16 de junho de 2020
O circo no Moreschi
Bairro Moreschi (Fazenda Anjo da Guarda), local onde, possivelmente, o circo fora montado
O circo no Moreschi
Não havia muito entretenimento naquele lugar, um bairro rural com muitas comunidades por perto, cercado de café por todos os lados. Não havia televisão, ou shoppings, ou baladas, Internet só seria popularizada muito tempo depois. Era década de sessenta ou setenta. Não sei bem ao certo, porque eu nem havia nascido, essa história faz parte da memória do Sr. João Medeiros, um antigo morador da região.
Tudo era uma interminável rotina no bairro, trabalhar, trabalhar e dormir um sono pesado. A vida era essa mesmo, apenas viver em busca do pão de cada dia. Era tudo o que se podia querer, sonhos frustavam e podiam machucar mais que a lâmina da enxada.
Até que chegou um pessoal estranho, vestindo roupas coloridas, trazendo, ao mesmo tempo, o cansaço e a alegria no rosto. Em caminhões bem velhos, uma lona com alguns remendos e outros equipamentos esquisitos. Começaram a montar a lona ao lado da Capela Anjo da Guarda. Pediram ao meu pai permissão para usar a energia do nosso motor estacionário e água.
Enquanto a equipe montava um castelo dos sonhos remendados, a notícia da chegada do circo se espalhou como o vento de agosto. Não era por falta de Internet e redes sociais que a comunicação era restrita. Notícia boa era transmitida por alguns kilobits de velocidade; notícia ruim, muitos megabits, tudo na base do: fulano me disse.
À noite, com tudo pronto para o espetáculo começar, o bairro Moreschi já estava lotado. Veio gente do Couro do Boi, da Fazenda Minerva, do Miotti, até da cidade de Itambé e do Patrimônio Guerra. Veio todo mundo e tudo sem dinheiro. Porque naquela época, dinheiro em papel moeda mesmo era raro. O povo só o via na colheita do café, depois era um tal de trocar porco por galinha, ovo por leite, cabrito por arroz... Mas o dono do circo não poderia receber essas coisas em pagamento, porque ele já tinha muito equipamento para carregar nos caminhões já tão enferrujados.
Por fim, só duas ou três pessoas pagaram o ingresso. Algumas crianças ainda conseguiram entrar passando por baixo da lona. O povão mesmo ficou de fora, tudo triste. Triste também ficaram os artistas que não poderiam realizar o espetáculo para tão pouca gente, não compensaria o esforço. O negócio era devolver o dinheiro, esperar o dia amanhecer, desmontar a lona e partir sem aplausos.
E assim seria, se meu pai, Irineu Moreschi, não estivesse por lá. Perito em entrar sem pagar em qualquer lugar, ele teve uma ideia. Simplesmente, desligou o motor estacionário e esperou, na escuridão, por dez minutos. Ouvia-se apenas sons de passos apressados e murmurinhos de felicidade. Então, quando as luzes novamente se ascenderam: Surpresa! O circo estava lotado.
Não, ninguém mais pagou, só entraram em forma de manada durante o blackout. O dono do circo olhou para aqueles olhos famintos por diversão e, apesar de continuar sem pagamento pelo serviço, seu coração disparou ante a expectativa daquele povo e tomou a decisão: "O espetáculo vai começar!" Alegria geral, tanto para o público quanto para os artistas. A cada apresentação, os aplausos aumentavam o entusiasmo dos palhaços, mágicos, malabaristas, bailarinas... foi uma noite sensacional. Todos se emocionaram como se não houvesse tanto trabalho, tão pouca alegria, como se a enxada dos sonhos frustrados não fosse tão afiada.
No dia seguinte, a lona foi desmontada, deixando apenas as marcas do pó de serra no chão. Os equipamentos foram guardados e a trupe seguiu viagem para outro lugar, na esperança de continuar a cumprir a missão para a qual nós, artistas, nascemos: emocionar. Porque apesar da falta de dinheiro, não havia falta de público. Atualmente, devido à grande concorrência de outros meios de diversão e arte proporcionados pelas telecomunicações, os pequenos circos estão desaparecendo e talvez, em pouco tempo, só fiquem na memória dos mais velhos, como o Senhor João Medeiros, depois... nem isso.
Mas esse circo, do qual não sei o nome, que nem vi suas atrações, que talvez seja um dos que já acabaram, ficará guardado na minha e na sua lembrança, através desse relato. Porque, de algum jeito, o espetáculo tem que continuar.
Denizia Moresqui
Agradeço a Roseni Passoni por compartilhar comigo os fatos guardados na memória de seu pai, João Medeiros.
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