terça-feira, 16 de junho de 2020

O circo no Moreschi



 Bairro Moreschi (Fazenda Anjo da Guarda), local onde, possivelmente, o circo fora montado

                     
                    O circo no Moreschi

      Não havia muito entretenimento naquele lugar, um bairro rural com muitas comunidades por perto, cercado de café por todos os lados. Não havia televisão, ou shoppings, ou baladas, Internet só seria popularizada muito tempo depois. Era década de sessenta ou setenta. Não sei bem ao certo, porque eu nem havia nascido, essa história faz parte da memória do Sr. João Medeiros, um antigo morador da região.
      Tudo era uma interminável rotina no bairro, trabalhar, trabalhar e dormir um sono pesado. A vida era essa mesmo, apenas viver em busca do pão de cada dia. Era tudo o que se podia querer, sonhos frustavam e podiam machucar mais que a lâmina da enxada.
      Até que chegou um pessoal estranho, vestindo roupas coloridas, trazendo, ao mesmo tempo, o cansaço e a alegria no rosto. Em caminhões bem velhos, uma lona com alguns remendos e outros equipamentos esquisitos. Começaram a montar a lona ao lado da Capela Anjo da Guarda. Pediram ao meu pai permissão para usar a energia do nosso motor estacionário e água.
      Enquanto a equipe montava um castelo dos sonhos remendados, a notícia da chegada do circo se espalhou como o vento de agosto. Não era por falta de Internet e redes sociais que a comunicação era restrita. Notícia boa era transmitida por alguns kilobits de velocidade; notícia ruim, muitos megabits, tudo na base do: fulano me disse.
      À noite, com tudo pronto para o espetáculo começar, o bairro Moreschi já estava lotado. Veio gente do Couro do Boi, da Fazenda Minerva, do Miotti, até da cidade de Itambé e do Patrimônio Guerra. Veio todo mundo e tudo sem dinheiro. Porque naquela época, dinheiro em papel moeda mesmo era raro. O povo só o via na colheita do café, depois era um tal de trocar porco por galinha, ovo por leite, cabrito por arroz... Mas o dono do circo não poderia receber essas coisas em pagamento, porque ele já tinha muito equipamento para carregar nos caminhões já tão enferrujados.
     Por fim, só duas ou três pessoas pagaram o ingresso. Algumas crianças ainda conseguiram entrar passando por baixo da lona. O povão mesmo ficou de fora, tudo triste. Triste também ficaram os artistas que não poderiam realizar o espetáculo para tão pouca gente, não compensaria o esforço. O negócio era devolver o dinheiro, esperar o dia amanhecer, desmontar a lona e partir sem aplausos.
      E assim seria, se meu pai, Irineu Moreschi, não estivesse por lá. Perito em entrar sem pagar em qualquer lugar, ele teve uma ideia. Simplesmente, desligou o motor estacionário e esperou, na escuridão, por dez minutos. Ouvia-se apenas sons de passos apressados e murmurinhos de felicidade. Então, quando as luzes novamente se ascenderam: Surpresa! O circo estava lotado.
      Não, ninguém mais pagou, só entraram em forma de manada durante o blackout. O dono do circo olhou para aqueles olhos famintos por diversão e, apesar de continuar sem pagamento pelo serviço, seu coração disparou ante a expectativa daquele povo e tomou a decisão: "O espetáculo vai começar!" Alegria geral, tanto para o público quanto para os artistas. A cada apresentação, os aplausos aumentavam o entusiasmo dos palhaços, mágicos, malabaristas, bailarinas... foi uma noite sensacional. Todos se emocionaram como se não houvesse tanto trabalho, tão pouca alegria, como se a enxada dos sonhos frustrados não fosse tão afiada.
       No dia seguinte, a lona foi desmontada, deixando apenas as marcas do pó de serra no chão. Os equipamentos foram guardados e a trupe seguiu viagem para outro lugar, na esperança de continuar a cumprir a missão para a qual nós, artistas, nascemos: emocionar. Porque apesar da falta de dinheiro, não havia falta de público. Atualmente, devido à grande concorrência de outros meios de diversão e arte proporcionados pelas telecomunicações, os pequenos circos estão desaparecendo e talvez, em pouco tempo, só fiquem na memória dos mais velhos, como o Senhor João Medeiros, depois... nem isso.
       Mas esse circo, do qual não sei o nome, que nem vi suas atrações, que talvez seja um dos que já acabaram, ficará guardado na minha e na sua lembrança, através desse relato. Porque, de algum jeito, o espetáculo tem que continuar.

Denizia Moresqui

 Agradeço a Roseni Passoni por compartilhar comigo os fatos guardados na memória de seu pai, João Medeiros.

domingo, 11 de agosto de 2019

NÃO ME ESQUEÇA





NÃO ME ESQUEÇA
Uma história real com licenças poéticas

      Rafaela começara a estudar de manhã no CMEI Branca de Neve. Era seu segundo ano no centro. Entrou na sala para conhecer sua nova turma. As crianças estavam agitadas com o primeiro dia de aula, a professora as acolhia com alegria. Todos os alunos tinham aproximadamente quatro anos.
Então Rafa percebeu um menininho com as duas mãos protegendo os ouvidos por causa do barulho das outras crianças. Aquilo tudo parecia incomodá-lo muito, mas ela não sabia o porquê. A professora pediu para que os alunos se sentassem e iniciou a aula. 

Com o passar dos dias, a curiosidade da menina aumentava em relação àquele colega que não gostava de barulho. Outra coisa que percebera é que uma moça o acompanhava dentro e fora da sala de aula. Só ele tinha esse privilégio, o que Rafaela achou injusto a princípio. O menino parecia não gostar de brincar com outras crianças, preferia ficar sozinho ou na presença de adultos. Além disso, ele não conversava, apenas falava poucas palavras, algumas fora de contexto, outras com pronúncias quase incompreensíveis. Não olhava nos olhos das pessoas, seu olhar fugia sempre. “Qual era o segredo do Fernando?” - se perguntava a menina.

Um dia, durante a aula, a professora mostrou um cartaz com uma palavra para a turma. Ninguém sabia ler, não eram alfabetizados ainda. Para surpresa de Rafaela, o Fernando leu, o menino que quase não falava leu. Como aquilo era possível? Rafa ficou espantada, mas outras crianças não. Pareciam estar habituadas a vê-lo ler. Mais um mistério sobre o garotinho. “Será que a estagiária o ensinou?” – pensou.
E assim os anos foram passando e um laço de amizade foi se formando no coração de Rafaela por Fernando. Ela e outras meninas gostavam de cuidar dele quando a estagiária não vinha. Não deixavam outros meninos fazerem bullying com ele, nem que ele fugisse do centro, algo que já ocorrera um dia.

Mudaram de escola e a amizade continuou. Fernando era um tanto ausente. Às vezes brincava com as crianças e outras vezes preferia ficar sozinho, folheando livros ou se distraindo com um carrinho. Era difícil prender sua atenção para uma conversa, mesmo sua fala já tendo melhorado muito.

Quando a turma iniciou o quarto ano, Fernando chegou com uma novidade: queria ser professor de Geografia. Ele assistiu a vídeos sobre a disciplina durante todo o período de férias e estava afiado. Desenhava mapas e bandeiras no quadro e explicava aos alunos curiosidades sobre vários países. Formulou provas para que os colegas fizessem, mas a professora achou melhor que as crianças respondessem às questões através de pesquisas. Rafaela notou que Fernando falava mais quando o assunto o interessava. “Por quê?”

Então a resposta veio. Ao perceber que os alunos já estavam prontos para saber o “segredo” do Fernando, a professora disse que ele era especial. Fernando tinha autismo. Ninguém sabia o que era isso. Então ela continuou dizendo que autismo era um transtorno que causava dificuldade de comunicação e interação no menino. Mas que ele tinha uma inteligência muito grande e que, um dia Fernando poderia ser um grande cientista, assim como Albert Einstein, o gênio que, provavelmente, também era autista. Toda turma ficou maravilhada com as explicações da professora, principalmente Rafaela. A menina chegou da escola entusiasmada e contou tudo à mãe. Sim, o colega diferente era um gênio e, principalmente, era seu amigo.

“Mãe, imagina quando o Fernando se tornar um cientista famoso, eu poderei dizer que estudei com ele, que cuidei dele, que brincamos juntos, que somos amigos.” – Sua alegria não se traduzia apenas em palavras, mas também em sorrisos.

Porém, alguns dias depois, um fato transformou o sorriso de Rafaela em preocupação. Ela estava na sala de aula, ao lado de Fernando, quando uma colega foi até a professora para fazer-lhe uma pergunta. Nesse momento, o menino autista perguntou:

“Quem é ela?”

“Ué, professora, o Fernando não conhece a nossa coleguinha? Mas ela estuda com a gente há vários anos!” – admirou-se Rafaela.

A professora explicou que, por causa do autismo, o Fernando não se concentrava muito nas pessoas e, por isso não lembraria o nome nem a fisionomia de todos os colegas, que o cérebro dele era diferente. Mas nem por isso, os alunos deveriam deixá-lo de lado.

Naquele dia, Rafaela chegou triste e preocupada e desabafou com mãe:

“O Fernando não se lembrará de mim quando se tornar um grande cientista. Ele não se lembra nem de alguns colegas que estudam com ele hoje. Isso é triste.” – Sua mãe tentou consolá-la, mas não adiantou. A angústia de não poder mudar aquela situação era dolorosa. Aceitar o que não se pode mudar é uma das lições mais difíceis de aprender na vida.

Alguns dias depois, houve uma festa junina na escola. As crianças estavam todas vestidas a caráter, o ambiente enfeitado, comidas e bebidas típicas. A comunidade também compareceu. Rafaela estava bem animada com as amigas. De repente viu Fernando com a estagiária que o acompanhara no ano anterior. Rafa se aproximou dos dois e notou que o menino chamava a moça pelo nome enquanto conversavam. 
“Oh! Fernando se lembrou da Gabi!” – pensou a menina. Aquilo foi uma esperança para Rafa. “Se ele se lembrou dela, que não via há vários meses, poderá se lembrar de mim também. Talvez ele não me esqueça, talvez, em algum lugar do cérebro dele, meu rosto e meu nome fiquem gravados.”

Quando encontrou a mãe, foi logo falando de sua descoberta, com a alegria de quem tinha ganhado um presente. Então, curiosa, sua mãe perguntou:

“Por que é tão importante que o Fernando se lembre de você?”

A menina, com a sabedoria adquirida dos seus nove longos anos, respondeu:

“Eu acho importante o Fernando se lembrar dos amigos da escola. Seria legal encontrar ele na rua, lembrar que estudamos juntos, que éramos amigos... e que ele não era sozinho.”

Denizia Moresqui
11/8/2019

segunda-feira, 10 de junho de 2019

A FAIXA LARANJA




                                                                               A FAIXA LARANJA
      Por recomendação do neurologista, meu filho, Fernando, autista leve, começou a praticar karatê há três anos, a fim de melhorar sua coordenação motora e a socialização. No início, o Mestre Wesly e sua filha, Isadora, tiveram muito trabalho. Pois, Fernando era muito agitado e corria o tempo todo na hora da aula. Isadora me disse que até pensou em desistir dele. No entanto, pai e filha se dedicaram e conseguiram controlar bastante os impulsos do garoto, até que ele conseguiu a faixa amarela.
     Porém, algum tempo depois, Fernando se mostrou desleixado com as aulas. Não levava os exercícios a sério e ficava só brincando. Por isso, o mestre decidiu que ele não faria o exame para a próxima faixa. Atitude que eu e o Lui, pai do Fernando, apoiamos imediatamente. Nessa mesma época, o meu sobrinho também começou a praticar a arte marcial e, por ser mais velho e responsável, rapidamente chegou à faixa amarela. Quando Fernando percebeu que o primo passaria à sua frente, ficou desesperado.
     Um dia, fomos buscá-lo após a aula de karatê e ele estava irritado e choroso porque ele ainda estava na faixa amarela. Fomos passear de jipe pela zona rural e ele choramingando:
     _Eu quero ir embora do Itambé! Não vou mudar de faixa! – e por aí foi...
     Então eu disse a ele que nós não podemos fugir dos nossos problemas, mas sim, encará-los e resolvê-los. E continuamos o passeio. Como o Fernando não gosta muito de sítio, pediu para ir embora para a cidade. Então eu o pai dele perguntamos:
    _Ué, você não vai embora de Itambé?
    Ele pensou um pouco e disse:
    _ Tudo bem, vou resolver meus problemas.
   Desse dia em diante, sua atitude em relação ao karatê mudou totalmente. Ele não queria faltar às aulas de forma nenhuma. Fazia todos os exercícios sem reclamar e falava da faixa laranja o tempo todo. Mas dizia que, depois de pegar essa faixa, sairia do karatê.
    Então chegou o grande dia. No exame, Fernando fez o melhor que pode dentro de suas possibilidades. O fato de ficar em formação e obedecer aos comandos é algo inacreditável para quem o conhece desde bebê. No momento em que foi chamado para pegar a tão sonhada faixa laranja, ele comemorou muito e foi aplaudido pelo público que assistia ao exame. Foi fantástico. Ele não é bom em atividades físicas e sabe disso, talvez por esse motivo, tenha comemorado tanto.
     Na manhã seguinte, acordei com ele em pé ao lado da minha cama, segurando a faixa e o certificado e dizendo que agora queria a faixa verde. Ou seja, ele não vai parar de praticar karatê.
     Apesar das dificuldades do nosso filho, não facilitamos as coisas para ele. A vida não vai facilitar, por isso, sabemos que é preciso disciplina desde agora. Ele enfrentará lutas bem mais difíceis na idade adulta e o karatê o está preparando para isso.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Deise e Peteleco







DEISE E PETELECO
     Ele viu seus donos se mudarem, mas preferiu ficar no mesmo lugar e ficou conosco, vivendo em uma das casas de madeira da colônia de café, na Fazenda Anjo da Guarda, em Itambé. Era um cachorro grande, sem raça definida. A névoa do tempo não me deixa lembrar bem de suas cores, talvez branco, preto e caramelo. Já veio com nome: Peteleco, que significa “pancada desferida com pouca força pelo dedo”. Como nós, irmãos, brigávamos muito, o nome do cão era ideal, já tínhamos outro cachorro que se chamava Belisco.
     Pois bem. Peteleco viveu ali por alguns anos, depois nos mudamos para outra, bem próxima, e ele foi junto. Não era manso como o Belisco, talvez por o termos adotado já adulto. Mas a convivência era praticamente pacífica. Ele só havia atacado duas pessoas e, se atacasse a terceira, seria morto.
      E havia a Deise, minha irmã caçula, que nessa época estava com quatro anos. Ela não era muito chegada em gente, detestava que relassem nela; no entanto amava animais, principalmente cães, os abraçava o tempo todo. Eu preferia o amor de contemplação. Gostava de observar os bichos e imaginar o que pensavam, quais eram seus sofrimentos e alegrias. Já a Deise, não. Seu amor era maternal, incondicional, desses que não se explica, apenas se vive.
      Um dia, eu estava na varanda dos fundos da grande casa em que vivíamos. A Deise e o Peteleco juntos a alguns passos de mim. De repente, ela quis brincar de cavalinho com o cachorro e montou nele. O animal ficou furioso ou assustado, não sei ao certo, e deu-lhe uma mordida no lado esquerdo do rosto, bem próximo ao olho. Ela gritou em desespero. Quando olhei, vi muito sangue jorrar. Na verdade, foi a primeira vez que vi alguém sangrando, foi horrível. Minha mãe saiu correndo da cozinha, onde preparava o almoço para a família e os camaradas da fazenda. Pegou minha irmã no colo e gritou por socorro.
       Meu pai não estava em casa, mas meu tio veio correndo ajudar. O cão foi se esconder debaixo da casa. Quando o tio viu a Deise naquele estado disse:
       _Tem que matar esse cachorro!
       Para meu espanto, a Deise começou a chorar ainda mais e implorava para que não matassem o Peteleco. Mas, como? Ela estava defendendo um bicho que quase a deixou cega! Que amor é esse?
        Meu tio achou melhor levá-la ao hospital e deixar o cachorro para mais tarde. Minha mãe não foi junto, porque tinha que terminar o almoço para um monte de gente. A Ducimara, nossa irmã, foi com eles  à cidade de Itambé procurar socorro no hospital do Dr. Lafayete.
      Quando voltaram, o cão ainda estava escondido debaixo da casa. Meu pai chegara e decidira que ele precisaria ser eliminado. Então minha mãe foi até o local em que o animal estava escondido e o chamou. Como o Peteleco confiava nela, saiu de lá de cabeça baixa. Depois foi levado para longe de casa numa caminhonete, enquanto minha irmã chorava com um enorme curativo no rosto.
      Eu fiquei olhando o cão, mesmo sendo criança, eu sabia que era a última vez o que veria. Seu olhar era de medo, pareceu que ele olhara pra mim, pareceu que me pedira socorro. Mas naquela época, final da década de setenta, quando acidentes com animais e pessoas aconteciam, era comum que o animal pagasse com a vida. Assim era e assim foi.
      Até hoje, a Deise tem as marcas daquela mordida no rosto e até hoje, lembra com tristeza e revolta da morte do Peteleco. Há pessoas que são atacadas por cães e ficam com medo deles para sempre. Incrivelmente isso não ocorreu com minha irmã. Ela nunca deixou de amar e cuidar de cães ou de qualquer outro animal. Atualmente, por imposição da minha mãe, a Deise não tem cães. Mas quatro gatos a adotaram e dos quais ela cuida com todo amor. Cuida também de gatos e cães de rua. Eu continuo na contemplação, tenho animais e gosto deles, mas não daquele jeito. Por isso, admiro quem tem essa dimensão de amor. Porque os animais estão sempre Farejando Ajuda*.

*Grupo de voluntários que cuida de animais de rua em Itambé-PR.

O justo importa-se com a alma do seu animal doméstico, mas as misericórdias dos iníquos são cruéis. (Provérbios 12:10)


terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

LARANJA BRAVA



Laranjeira brava

               Eu já morava na cidade de Itambé, estava com uns dez anos. Mas, quase toda semana, minha família ia até a Fazenda Anjo da Guarda, na qual morei até os sete anos, para passear. Num desses passeios, fomos em dez crianças e três adultos. Eu, meus irmãos, primos, tia, mãe e pai, numa caminhonete F4000 azul. Naquele tempo, era permitido andar sobre a carroceria, sendo adulto ou criança. 
                 Chegando lá, todos foram procurar alguma coisa para brincar. Minha mãe e a tia ficaram na varanda de nossa antiga casa. Meu pai foi à oficina fazer alguma gambiarra. Eu avistei, no pasto, um pé de laranja brava, também conhecida como laranja da terra. A gente chamava de laranja brava, porque era tão azeda que não tinha quem comia, só o gado mesmo. Mas com sua casca, dava para fazer um doce delicioso. Fui pedir à  mãe para que ela fizesse o doce pra mim. Ela se recusou, porque dava muito trabalho. Eu insisti por uns trinta minutos sem parar. Até que ela falou:
                   "Se você apanhar as laranjas, eu faço."
                   Acho que ela só disse isso para ver se eu desistia. No entanto, o que me faltou em estatura e força, Deus compensou em persistência. Fui pedir ajuda aos meus irmãos e primos. Éramos uma dezena, seria fácil e rápido apanhar as frutas. Mas, um a um, todos se recusaram a me ajudar, porque já estavam brincando e não queriam serviço. 
                    Como o desejo nos escraviza, decidi que apanharia as laranjas sozinha, a qualquer custo. Peguei um saco e rumei para o pasto. Antes de pular a cerca, me certifiquei de que não havia vacas por perto, me prevenindo de uma chifrada. Vi que elas estavam na beira do córrego, bebendo água e descansando debaixo de uma grande árvore. 
                 Pulei a cerca, caminhei uns trinta passos até o primeiro pé de laranja brava que avistei. A árvore era pequena, mas estava carregada de grandes frutas amarelas. Vendo assim, até pareciam doces; mas eram enganosas. Subi na árvore sem dificuldade e passei a apanhá-las e jogá-las ao chão, onde estava o saco. Como este serviço era fácil, me empolguei e catei laranjas demais. Quando desci da árvore, o chão estava coberto de frutas. Não quis deixar nenhuma para trás, porque minha mãe nos ensinou a não desperdiçar as coisas. 
                 Catei todas e as coloquei dentro do saco, que ficou quase maior que eu. Agora eu precisava levá-lo até a caminhonete. Tentei colocá-lo nas costas, mas caí para trás. Tentei erguê-lo à minha frente, não consegui. O jeito foi arrastá-lo. Fui puxando o saco, puxando o saco. Os trinta passos até a cerca pareciam uns quatro quilômetros. O sol estava quente, o que tornava a tarefa ainda mais árdua. Depois de uns vinte minutos, cheguei à cerca, passei o saco por baixo do arame farpado e chamei minha mãe.
                  Imaginem a cara de desgosto dela quando viu o saco. Como não tinha escapatória, ela me ajudou a colocá-lo sobre a carroceria da F4000. Depois tomei água e desabei no piso de vermelhão da varanda. Fiquei lá o restante da tarde, me recuperando.
                  Lá pelas cinco horas, meu pai nos chamou para irmos embora. Subi no veículo e fiquei segurando a boca do saco para que as laranjas não se espalhassem pela carroceria e voassem pela estrada. Enquanto isso, o restante das crianças apreciava a paisagem e curtia o vento nos cabelos. Dez quilômetros e muitos chacoalhões depois, estávamos em casa.
                       Tirado o saco da carroceria, já pedi pra minha mãe fazer o doce. 
                     "Só amanhã, agora vocês tem que tomar banho e eu vou fazer a janta." Minha mãe nunca saía da rotina. Então tive que esperar o amanhã chegar.
                      Acordei bem cedo e já persegui a progenitora para que ela fizesse o doce. Ela disse que eu teria que ajudá-la, porque havia outros serviços a fazer. Pegamos o saco com as laranjas e começamos a tirar a pele mais superficial das frutas, pois o doce é feito com a parte de dentro da casca. Em seguida, era preciso cortar a fruta em forma de X e tirar os gomos, que eram jogados no lixo. As cascas foram postas em uma grande bacia de alumínio, uma que a gente usava para tomar banho; mas estava limpinha. Depois de me ensinar o serviço, minha mãe foi limpar a casa. 
             O trabalho com as laranjas era cansativo, era fruta que não acabava mais. Que arrependimento de ter pego tantas. Meus irmãos nem passavam perto de mim, com medo de sobrar trabalho para eles. Após horas de lida, terminei.
                          Fui correndo avisar a mãe, para que ela colocasse as laranjas logo no fogo.
                          "Não. Precisa por na água por quatro dias para tirar o azedo. Só depois, é que vamos cozinhar." Retrucou ela.
                          Quatro dias! Que agonia. Aquela espera estava me matando. Mas, fazer o quê? Havia uma mesa ao lado do tanque. Então, ela encheu a bacia com água e me disse que era preciso trocar a água duas vezes ao dia. E adivinhem de quem seria a tarefa.
                           No fim da tarde, quando cheguei da escola, lá fui eu para mais uma etapa do doce que nunca ficava pronto. Peguei uma canequinha e, aos poucos, tirei toda a água da bacia e joguei no tanque. Em seguida, enchi novamente. No dia seguinte, bem cedo, repeti o serviço... à tarde também... no outro dia também... na outra tarde também. Aquilo não acabava nunca. Como sempre detestei rotinas, era uma tortura para mim. Assim seguiram-se quatro longos dias. 
                           No quinto dia, acordei entusiasmada, finalmente as laranjas iriam ao fogo. Minha mãe preparou o fogão à lenha da cozinha, pôs lenha, ateou fogo e colocou um taxo em cima; adicionou açúcar e água, mexeu com uma grande pá da madeira, colocou as cascas de laranja, que quase transbordaram, e cravo-da-índia . Então me disse:
                           "Você vai ajudar a mexer. Mas tome cuidado." 
                            Lá fui eu mexer o tacho. Senti-me como uma feiticeira da Idade Média fazendo suas poções mágicas. Até que foi divertido... no começo. Após alguns minutos naquele calor, já não tinha mais graça. Além disso, as cascas foram murchando, murchando, até que ficou pela metade do tacho. Que decepção! Mas o que restou ainda saciaria meu desejo pelo doce. 
                             Quando as cascas estavam douradas, minha mãe disse que estava pronto. 
                             "Oba, vou comer!"
                             "Só depois que esfriar. Doce quente faz mal." 
                          Ela tirou o doce do tacho e colocou num caldeirão de alumínio. Só me restou esperar. Fui à escola, a aula parecia que nunca mais ia acabar. Quando cheguei, fui direto para o caldeirão, que já estava pela metade. Meus irmão, que estudavam de manhã, já tinham descoberto meu tesouro. Tudo bem, ainda sobrara bastante para vários dias. Peguei um pratinho e um garfo, pus uma tantada para mim e saboreei como um manjar dos deuses. Valera a pena cada sacrifício para comer aquela maravilha. Um sabor agridoce, exaltado pelos cravos. Limpei o prato em poucos segundos e já estava pronta para pegar mais, quando minha mãe vociferou:
                             "Não come demais, senão você vai passar mal. Deixa pra amanhã."
                             O dia seguinte era sábado. Teria muito tempo para comer. Tudo bem.
                           A minha casa sempre foi cheia de visitas, já que minha mãe sempre tratou as pessoas com carinho. Mas naquela sábado, foi demais. Foi visita o dia inteiro. Até quem eu nem conhecia apareceu lá. Saiu gente até do bueiro! E a cada um minha mãe dizia:
                             "Tem doce de laranja brava. Toma, tá uma delícia!"
                             Olha, não que eu fosse uma criança egoísta... bem, talvez um pouco. Mas, foram tantos sacrifícios para fazer o doce e agora ele estava acabando de um dia para o outro. Além de dar meu doce para as visitas, minha mãe ainda falava:
                             "Leva um pouquinho pra sua casa, seu filho vai gostar."
                            E assim, de visita em visita, tudo foi se acabando, até não restar mais nada. Pensei que teria doce por vários dias, amarga ilusão. Diante do caldeirão vazio e de toda a lida dispensada ao doce, eu me senti A Galinha Ruiva e fiquei brava igual a laranja. 

                        

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

O AMOR É CEGO - peça teatral

                                                        



                                                             
                                                               O AMOR É CEGO

NARRADOR: Lá nos confins do sertão nordestino, vivia um coronel arretado e sua patroa. Eles queriam ter um
                         bacurizinho. Mas o tempo passava e a patroa nada de embuxar. Até que um dia...
                      
PATROA: (chorando escandalosamente) Buá, Buá... eu quero ter um fio, todo mundo tem, só eu que não.Buá.

ERNESTINA: Qual é a zica, Dona Patroa? Por que todo esse auê?

PATROA: Eu quero ter um fio, mas não consigo engravida. Buá, Buá.

ERNESTINA: Num se avexe, não. Conheço uma simpatia infalível pra embuxar. Eu fiz e tenho 10 fio.

PATROA: Credo!!!

ERNESTINA: Qué sabê ou não?

PATROA: Quero, né. Mas só vou fazer uma vez. Não vou encher a casa de remelentos, dá muita briga.

ERNESTINA: Negócio é o seguinte, na noite de lua cheia, a senhora vai na beira da lagoa seca e grita bem alto:
                       Eu quero um fio!

PATROA: E dispois?

ERNESTINA: É só isso, deixa que do resto o tempo se encarrega.

PATROA: Ta bem, vou fazer isso.

NARRADOR: Então na noite de lua cheia, Dona Patroa, toda esperançosa, foi a beira da lagoa.

PATROA: Ai que mico, espero que ninguém me veja berrando na beira da lagoa, vão pensa que to surtano. Mas
                 Vamos à luta. EU QUERO UM FIO!!!!

MENINA: Aqui to eu, mamãe. Seu pedido foi atendido.

PATROA: Mas já.

ERNESTINA: Comigo é assim. A simpatia é instantâna.

PATROA: Mas eu pedi um fio e não uma fia. Além do mais, ela já é grande, eu queria um bebezinho. E essa
                 Menina é bem feinha.

MENINA: Choquei!! Mamãe.

ERNESTINA: Ó, patroa, a senhora num ta na posição de escolhe muito não. É melhor pegá essa memo, antes que o
           O coronel arrume outra mulhé pra dá fio pra ele. E ela ta feia assim por causa de uma catiça que uma dessas
           Muié invejosa jogou na senhora.
           Mas quando essa menina recebê o premero bejo de amor, ela vai ficar linda.

PATROA: Ai, será?

MENINA: É pegá ou largá.

PATROA: Ta bom, eu pego. Seu nome será Clara Bela, minha fia.

MENINA: Que Clara Bela, o quê? Eu já me chamo Eufrazina.

PATROA: Credo!!! Que nome horríve. Mas como é que você já nasceu com nome?

ERNESTINA: Fio de simpatia é assim memo, já nasce até com nome.


PATROA: Tudo bem, eu te aceito assim memo. Mas vou ter que inventá uma história pro coronel acreditá que
                  Essa menina é nossa fia. Ele nunca boto muita fé em simpatia.
                      (todas saem)

NARRADOR: Dona Patroa foi para casa toda feliz com sua fia, para apresentá a menina ao Coronel. Chegando lá..

CORONEL: Onde se enfiou Dona Patroa, justo hoje que eu queria tentar ter um fio. Já estou ficando veio, daqui há  
                    Poço, num dá mais pra ela pegá cria.

PATROA: Oh, meu rei eu tenho uma surpresa pro cê.

CORONEL: Eu adoro surpresa, o que é?

PATROA: Feche o zóio e só abra quando eu manda.

CORONEL: Ta bem, mas me mostre logo, estou ansioso.
           ( Ela traz Eufrazina)

PATROA: Pode abrir o zóio, meu rei.

CORONEL: (assustado) Ai, chuta que é macumba!!!!

EUFRAZINA: Macumba o escambáu, eu sou sua fia.

CORONEL: Eu não fiz isso!!

PATROA: Fez sim.

CORONEL:  Quando?

PATROA: Naquela noite dispois do velório do Coronel Teodoro. Ocê bebeu muito, lembra?

CORONEL: Só se eu bebi gazulina!!

EUFRAZINA: Eu vou ficar traumatizada!

PATROA: Ela é feinha assim por causa de uma catiça lançada em mim quando eu embuxei. Então eu escondi nossa
                  Fia de todo mundo até hoje.
                  Mas ela vai crescer, poderá receber o premeiro beijo de amor e voltar a ser linda.

CORONEL: E quem vai quere encarar esse tramboio?

PATROA: Esquenta não, tem louco pra tudo neste mundo.

NARRADOR: Os anos passou, Eufrazina foi crescendo e ficando cada vez mais feia. Então, preocupados, seus
                       Pais decidiram encontrar um doido, quer dize, um marido para se apaixona por ela e quebrar a
                       Tar da catiça.
ERNESTINA: E aí, Eufrazina, como vai a vida boa?

EUFRAZINA: Oh, mãe, ta supimpa. A senhora me descolou um vidão. Num faço nada o dia inteiro, a não ser
                       Come e dormi.

ERNESTINA: Mas fica esperta, ninguém pode sabe que sou sua mãe, senão a gente ta na roça.

EUFRAZINA: Pode deixar, coroa. Não perco esse vidão por nada.

RAINHA: Eufrazina, cadê você, fiinha?

ERNESTINA: Lá vem a patroa, disfarça.

EUFRAZINA: To aqui, mainha,  que foi?

PATROA: Seu pai decidiu que tá na hora de ocê se casar.

EUFRAZINA: Oba!

PATROA: Então ele distribuiu seu retrato por todas as vilas da redondeza. Assim virão muitos cabra macho vai
                   Vim te pedi em casamento.

ERNESTINA: Né que eu quero falá não, mas se os tar cabra macho vê o retrato dela, num vão vim aqui de jeito                     
                        Manera.

PATROA: O rei pensou nisso, então contratou um pintor porreta e ele caprichou no retrato. Veja como ficou.
                   ( mostra uma foto da Angelina Jolie)

EUFRAZINA: Eu fiquei linda, como rearmente sô, é claro.

PATROA: Então vamos, ocê percisa se arruma pra receberseus pretendentes.

ERNESTINA: (para o público) Então chama a equipe do lata-velha.

EUFRAZINA: Vá indo, mainha, que eu já vou.

PATROA: Ta, mas não demore.
                       (sai)

EUFRAZINA: Eu to lascada!!

ERNESTINA: Pru quê? Num que si casá?

EUFRAZINA: Mãe, a senhora inventa as coisas e dispois esquece.

ERNESTINA: Que foi que eu inventei?

EUFRAZINA: A senhora disse pra rainha que eu era feia por causa de uma catiça, que o premeiro beijo de amor
                       Quebraria o encanto e eu ia fica linda.

ERNESTINA: Misericórdia. É memo.

EUFRAZINA: E agora, o que vou fazer?

ERNESTINA: Né que eu quero fala não, mas quem em sã consciênça vai se apaixonar por você e ainda por cima,
            Quere te beijá?

EUFRAZINA: Vai que aparece um loco?

ERNESTINA: Ce vai faze o seguinte. Diz pra patroa que oce qué conversa cus rapais em particulá. Aí então....
             (as duas cochixam e entra o narrador)


NARRADOR: Com um plano secreto armado, Eufrazina foi se arruma, se é que isso é possível, para recebe seus
                      Pretendentes. Será que ela será desmascarada, veja nos próximos capítulos desta peça emocionante.
                       (entram em cena Eufrazina, o coronel e a patroa.)

CORONEL: Finarmente chego o grande dia, a minha fia vai se recebe o premero beijo de amo e fica linda.

PATROA: Marido, não deixe nossa fia nervosa.

EUFRAZINA: Mainha e painho, eu gostaria de cunversá cos rapais em particula.

CORONEL: (bravo) Pru quê?

EUFRAZINA: É que eu sô tímida e num quero que tudo mundo fique oiando eu cunversá cos moço.

PATROA: É verdade, meu rei, vamo deixa a nossa fia suzinha. Fica lá na salinha de visita e nóis recebe os moço
                  Aqui na varanda.

EUFRAZINA: Brigada, mainha.

JUVENAL: Batarde, coronel. Recebi o retrato de sua fia e vim conhecê aquele poço de furmusura.

CORONEL: Oh, coitado.

PATROA: Disfarça, homi.

CORONEL: Que dize, se achegue, Juvenal. Ela está esperando por ocê la dentro de casa.
                     ( Juvenal entra na casa)

CORONEL: Seja o que Deus quise.

JUVENAL: (gritando) SOCORRO! O boitatá engoliu a fia do ceis.

PATROA: Como ousa chama nossa fia de boitatá. Suma daqui seu fio duma égua.

JUVENAL: Sumo memo, eu é que num quero casá cum aquele tramboio.

CORONEL: O negócio vai sê mais dificir do que eu pensei.

TERÊNCIO: Licença, coronel.

CORONEL: Chega mais, Terêncio. Veio conhecê mia fia.

TERÊNCIO: Vim sim, coronel, já ta na hora de um homi como eu constitui famia e sua fia deve de sê muito linda.

CORONEL: Ela é insuperave. Pode entra que ela ta lhe esperando.
                      ( Terencio entra e o coronel e a patroa tapam os ouvidos. Terencio grita de dentro da casa)

TERÊNCIO: Meu Jesus Cristinho, me sarve. Socorro, larga eu coisa ruim. Socorro.
                     ( sai correndo e nem conversa com o coronel)

PATROA: (chorando) Ai que desgosto, ninguém qué a nossa fia.

CORONEL: Pra ela casá, só um milagre.
                     (Os dois saem abraçados e chorando. Aparecem Eufrazina,vestida horrivelmente, e Ernestina.)

EUFRAZINA: Mãe, seu prano deu certo. É só os rapais me vê que eles sai correndo.

ERNESTINA: Num sô fraca não, mia fia. Ocê já é feia, mas com um toque especiar fico horríver. Assim num há
                        Homi que tenha corage de lhe encará.
                          (as duas saem rindo. Então aparecem dois forasteiros, um malandro e um míope)

LUIZÃO: (falando com sotaque carioca) Podes crê, Creosvaldo, aqui tem uma gata rica querendo se casar. E o seu
                Mano velho vai se dá bem.

CREOSVALDO: Mas o pai dela qué que ela se case cum moço rico e ocê é pobre que nem qui eu.

LUIZÃO: Deixa disso, meu irmão, sô pobre mais tenho cultura. Já morei no Rio de Janeiro, esqueceu?

CREOSVALDO: Mas do Rio, ocê só conhece a favela.

LUIZÃO: E favela também é cultura. Eu vô jogá um migué na cabeça do coronel. Vem, vamo chegá na casa dos             
                 Magnata.
                 ( Creosvaldo tropeça e cai)

CREOSVALDO: Ai!!

LUIZÃO: Cuidado, Creosvaldo, esqueceu que você não enxerga bem.
                  (aparece o coronel e a patroa)

LUIZÃO: Boas tardes, senhor coronel e dona patroa.

O CASAL: Batarde, moço.

CORONEL: Quem é o sinhô e seu amigo?

LUIZÃO: Eu sou Luiz Bragança e Silva e esse aqui é meu criado Creosvaldo.

CREOSVALDO: O que?

LUIZÃO: (cochixando para Creosvaldo) Cala a boca que a gente vai se dá bem.

LUIZÃO: Como eu dizia, eu sou um rico fazendeiro lá do sul do país. Vim aqui à passeio e ouvi falar da formosura
                De sua filha. Então decidi conhecê-la.

PATROA: Nem tudo ta perdido.

CORONEL: Eu faço muito gosto que ocês se conheça. Vai lá chama ela Dona Patroa. Enquanto isso, eu vô leva o
                  Creosvaldo pra tomá água de poço.
                   ( sai a patroa, o coronel e creosvaldo. Entra Eufrazina)

EUFRAZINA: Que é que ocê qué, seu porquera?

LUIZÃO: (fingindo) Que flor de formosura, que delicadeza de donzela.

EUFRAZINA: Tu ta ficando loco?

LUIZÃO: Assim que te vi, meu coração disparou num ápice de amor.

EUFRAZINA: Ocê bebeu querosene?

LUIZÃO: Eu quero me casar com você, meu amor!
                 (ele tenta abraçá-la, mas ela corre)

EUFRAZINA:  To fora!!

LUIZÃO: Isso, me despreza que eu gamo.

EUFRAZINA: Eu não vou me casar com ocê de jeito manera.

LUIZÃO: (num tom ameaçador) Ah, vai sim. Eu sei que seus pais querem que você case de todo jeito e que não
                Há mais nenhum pretendente disposto a te encarar. Então eu serei seu esposo e herdeiro da fortuna do
                Coronel.

EUFRAZINA: Seu porco, fio de uma jumenta, eu vou te...

LUIZÃO: Calma, meu amor, seus pais vem vindo.
                  (entra a patroa, o coronel e creosvaldo)

LUIZÃO: Coronel, eu quero pedir a mão de sua filha em casamento.

CORONEL: Num leva só a mão não, leva tudo de uma vez.

PATROA: (emocionada) Coronel, nossa fia finarmente encontro o amor de sua vida.

EUFRAZINA: To ralada.

CORONEL: Então eu vo aprepará o casório antes que o noivo desista. Vem comigo Doto Luiz.
                     (sai a patroa, luizão e o coronel)

EUFRAZINA: Buá, buá, eu num quero casá cum esse safado.

CREOSVALDO: Carma, moça, o que qui foi?

EUFRAZINA: Esse safado do seu patrão que dá o gorpe do baú ni mim. Eu sô tão feia, mas ele qué casa pra botá
                       As pata no dinheiro do meu painho.

CREOSVALDO: Eu num acho ocê feia.

EUFRAZINA: Qué me dá o gorpe tamém.

CREOSVALDO: Não, eu nasci pobre e hei de morre assim. Essa é a sina da minha famia. Eu num enxergo direito
                          E só vejo a beleza de uma pessoa pela personalidade e não pela sua cara.

EUFRAZINA: E daí?

CREOSVALDO: Ocê é dispachada e eu gosto de muié assim.

EUFRAZINA: (apaixonada) como é seu nome?

CREOSVALDO: Creosvaldo, as suas orde.
 
EUFRAZINA: Ocê se casaria cum eu?

CREOSVALDO: Eu... eu...
                            ( voltam o coronel, a patroa, luizão e ernestina e interrompem a conversa)

CORONEL: Minha fia, ta tudo pronto pro casório, amanhã cedo ocê desencaia e recebe o premero beijo de amo.

PATROA: Aí, adeus catiça.

EUFRAZINA: Mainha e painho, eu me apaixonei por outro homi, num quero me casá cum esse Doto ai não.

LUIZÃO: (dando uma de macho) Eu mato o infeliz!

ERNESTINA: (fala só para eufrazina) Ocê ta doida, vai arruma mais cunfusão ainda pra tua cabeça?

EUFRAZINA: Eu to apaixonada pelo Creosvaldo e vou me casá cum ele.

ERNESTINA: Fia, mais se ocê beijá ele, ocê vai continuá feia e vão discubri que esse negócio de catiça é mentira.
                        Ocê vai vortá a ser pobre.

EUFRAZINA: Vale a pena ser pobre se é pra ser amada.

LUIZÃO: Então, quem é o suíno que se atreveu a buli na minha amada.

CREOSVALDO: (todo tímido) Fui eu primo.

TODOS: OH!

CREOSVALDO: Eu me apaixonei por Eufrazina assim que ouvi a voz dela.

CORONEL: Ninguém queria a feiosa, agora tem dois quereno.

ERNESTINA: Eu tenho uma solução pra acaba com a pendenga.

TODOS: Qual?

ERNESTINA: Aquele que beijá a moça e quebra a catiça gosta dela de verdade e será seu esposo.

CORONEL: Feito! Quem vai se a primera vítima?

LUIZÃO: Eu! Não deixarei outro homem beijar a minha amada. Não há catiça que resista ao meu beijo.
               ( Luizão se aproxima de Eufrazina, ela faz um bico bem feio e ele faz cara de nojo, quando ele está a
                Ponto de beijá-la começa a chorar e dizJ

LUIZÃO: Eu não consigo. Ela é muito feia, eu desisto. Pode fazer bom proveito, Creosvaldo.
                   (luizão sai)
CORONEL: Sua veis, Creosvaldo.

CREOSVALDO: Chega mais, minha potranca.
                          (Ele abraça Eufrazina, a deita pra trás e dá um grande beijo nela).

TODOS: OH! Credo!

EUFRAZINA: Meu amor.

PATROA: Mas a catiça não se desfez. Ela ainda é horrorosa.

CREOSVALDO: Pois pra mim, ela é a mais linda das muié.

ERNESTINA: Eu não disse que a catiça ia se quebra com o premero beijo de amo?

CORONEL: Mas ela ainda é feia.
ERNESTINA: Feia pro senho. Mas pro futuro marido dela, ela é linda e é isso que interessa.

CORONEL: Ta bom. Quem vai te que encará o trubufú todo dia é ele mesmo.

PATROA: Sorte que ele enxerga mal.

ERNESTINA: Que que ocês tão esperando. Vai logo chamá o juiz pra faze o casório.

PATROA: Vamo logo, Coronel. Vamo Creosvaldo.
                  ( os três saem)

EUFRAZINA: Mainha, a senhora sarvo minha pele. Como sabia que o Creosvaldo ia me acha bonita.

ERNESTINA: Fia, dizem quando a gente ama fica cego. Imagina um homi que já é meio cego quando fica
                        Apaxonado. Ele encara quarque parada.

EUFRAZINA: Choquei, mainha!

                                                                O AMOR É CEGO

NARRADOR: Lá nos confins do sertão nordestino, vivia um coronel arretado e sua patroa. Eles queriam ter um
                         bacurizinho. Mas o tempo passava e a patroa nada de embuxar. Até que um dia...
                      
PATROA: (chorando escandalosamente) Buá, Buá... eu quero ter um fio, todo mundo tem, só eu que não.Buá.

ERNESTINA: Qual é a zica, Dona Patroa? Por que todo esse auê?

PATROA: Eu quero ter um fio, mas não consigo engravida. Buá, Buá.

ERNESTINA: Num se avexe, não. Conheço uma simpatia infalível pra embuxar. Eu fiz e tenho 10 fio.

PATROA: Credo!!!

ERNESTINA: Qué sabê ou não?

PATROA: Quero, né. Mas só vou fazer uma vez. Não vou encher a casa de remelentos, dá muita briga.

ERNESTINA: Negócio é o seguinte, na noite de lua cheia, a senhora vai na beira da lagoa seca e grita bem alto:
                       Eu quero um fio!

PATROA: E dispois?

ERNESTINA: É só isso, deixa que do resto o tempo se encarrega.

PATROA: Ta bem, vou fazer isso.

NARRADOR: Então na noite de lua cheia, Dona Patroa, toda esperançosa, foi a beira da lagoa.

PATROA: Ai que mico, espero que ninguém me veja berrando na beira da lagoa, vão pensa que to surtano. Mas
                 Vamos à luta. EU QUERO UM FIO!!!!

MENINA: Aqui to eu, mamãe. Seu pedido foi atendido.

PATROA: Mas já.

ERNESTINA: Comigo é assim. A simpatia é instantâna.

PATROA: Mas eu pedi um fio e não uma fia. Além do mais, ela já é grande, eu queria um bebezinho. E essa
                 Menina é bem feinha.

MENINA: Choquei!! Mamãe.

ERNESTINA: Ó, patroa, a senhora num ta na posição de escolhe muito não. É melhor pegá essa memo, antes que o
           O coronel arrume outra mulhé pra dá fio pra ele. E ela ta feia assim por causa de uma catiça que uma dessas
           Muié invejosa jogou na senhora.
           Mas quando essa menina recebê o premero bejo de amor, ela vai ficar linda.

PATROA: Ai, será?

MENINA: É pegá ou largá.

PATROA: Ta bom, eu pego. Seu nome será Clara Bela, minha fia.

MENINA: Que Clara Bela, o quê? Eu já me chamo Eufrazina.

PATROA: Credo!!! Que nome horríve. Mas como é que você já nasceu com nome?

ERNESTINA: Fio de simpatia é assim memo, já nasce até com nome.


PATROA: Tudo bem, eu te aceito assim memo. Mas vou ter que inventá uma história pro coronel acreditá que
                  Essa menina é nossa fia. Ele nunca boto muita fé em simpatia.
                      (todas saem)

NARRADOR: Dona Patroa foi para casa toda feliz com sua fia, para apresentá a menina ao Coronel. Chegando lá..

CORONEL: Onde se enfiou Dona Patroa, justo hoje que eu queria tentar ter um fio. Já estou ficando veio, daqui há  
                    Poço, num dá mais pra ela pegá cria.

PATROA: Oh, meu rei eu tenho uma surpresa pro cê.

CORONEL: Eu adoro surpresa, o que é?

PATROA: Feche o zóio e só abra quando eu manda.

CORONEL: Ta bem, mas me mostre logo, estou ansioso.
           ( Ela traz Eufrazina)

PATROA: Pode abrir o zóio, meu rei.

CORONEL: (assustado) Ai, chuta que é macumba!!!!

EUFRAZINA: Macumba o escambáu, eu sou sua fia.

CORONEL: Eu não fiz isso!!

PATROA: Fez sim.

CORONEL:  Quando?

PATROA: Naquela noite dispois do velório do Coronel Teodoro. Ocê bebeu muito, lembra?

CORONEL: Só se eu bebi gazulina!!

EUFRAZINA: Eu vou ficar traumatizada!

PATROA: Ela é feinha assim por causa de uma catiça lançada em mim quando eu embuxei. Então eu escondi nossa
                  Fia de todo mundo até hoje.
                  Mas ela vai crescer, poderá receber o premeiro beijo de amor e voltar a ser linda.

CORONEL: E quem vai quere encarar esse tramboio?

PATROA: Esquenta não, tem louco pra tudo neste mundo.

NARRADOR: Os anos passou, Eufrazina foi crescendo e ficando cada vez mais feia. Então, preocupados, seus
                       Pais decidiram encontrar um doido, quer dize, um marido para se apaixona por ela e quebrar a
                       Tar da catiça.
ERNESTINA: E aí, Eufrazina, como vai a vida boa?

EUFRAZINA: Oh, mãe, ta supimpa. A senhora me descolou um vidão. Num faço nada o dia inteiro, a não ser
                       Come e dormi.

ERNESTINA: Mas fica esperta, ninguém pode sabe que sou sua mãe, senão a gente ta na roça.

EUFRAZINA: Pode deixar, coroa. Não perco esse vidão por nada.

RAINHA: Eufrazina, cadê você, fiinha?

ERNESTINA: Lá vem a patroa, disfarça.

EUFRAZINA: To aqui, mainha,  que foi?

PATROA: Seu pai decidiu que tá na hora de ocê se casar.

EUFRAZINA: Oba!

PATROA: Então ele distribuiu seu retrato por todas as vilas da redondeza. Assim virão muitos cabra macho vai
                   Vim te pedi em casamento.

ERNESTINA: Né que eu quero falá não, mas se os tar cabra macho vê o retrato dela, num vão vim aqui de jeito                     
                        Manera.

PATROA: O rei pensou nisso, então contratou um pintor porreta e ele caprichou no retrato. Veja como ficou.
                   ( mostra uma foto da Angelina Jolie)

EUFRAZINA: Eu fiquei linda, como rearmente sô, é claro.

PATROA: Então vamos, ocê percisa se arruma pra receberseus pretendentes.

ERNESTINA: (para o público) Então chama a equipe do lata-velha.

EUFRAZINA: Vá indo, mainha, que eu já vou.

PATROA: Ta, mas não demore.
                       (sai)

EUFRAZINA: Eu to lascada!!

ERNESTINA: Pru quê? Num que si casá?

EUFRAZINA: Mãe, a senhora inventa as coisas e dispois esquece.

ERNESTINA: Que foi que eu inventei?

EUFRAZINA: A senhora disse pra rainha que eu era feia por causa de uma catiça, que o premeiro beijo de amor
                       Quebraria o encanto e eu ia fica linda.

ERNESTINA: Misericórdia. É memo.

EUFRAZINA: E agora, o que vou fazer?

ERNESTINA: Né que eu quero fala não, mas quem em sã consciênça vai se apaixonar por você e ainda por cima,
            Quere te beijá?

EUFRAZINA: Vai que aparece um loco?

ERNESTINA: Ce vai faze o seguinte. Diz pra patroa que oce qué conversa cus rapais em particulá. Aí então....
             (as duas cochixam e entra o narrador)


NARRADOR: Com um plano secreto armado, Eufrazina foi se arruma, se é que isso é possível, para recebe seus
                      Pretendentes. Será que ela será desmascarada, veja nos próximos capítulos desta peça emocionante.
                       (entram em cena Eufrazina, o coronel e a patroa.)

CORONEL: Finarmente chego o grande dia, a minha fia vai se recebe o premero beijo de amo e fica linda.

PATROA: Marido, não deixe nossa fia nervosa.

EUFRAZINA: Mainha e painho, eu gostaria de cunversá cos rapais em particula.

CORONEL: (bravo) Pru quê?

EUFRAZINA: É que eu sô tímida e num quero que tudo mundo fique oiando eu cunversá cos moço.

PATROA: É verdade, meu rei, vamo deixa a nossa fia suzinha. Fica lá na salinha de visita e nóis recebe os moço
                  Aqui na varanda.

EUFRAZINA: Brigada, mainha.

JUVENAL: Batarde, coronel. Recebi o retrato de sua fia e vim conhecê aquele poço de furmusura.

CORONEL: Oh, coitado.

PATROA: Disfarça, homi.

CORONEL: Que dize, se achegue, Juvenal. Ela está esperando por ocê la dentro de casa.
                     ( Juvenal entra na casa)

CORONEL: Seja o que Deus quise.

JUVENAL: (gritando) SOCORRO! O boitatá engoliu a fia do ceis.

PATROA: Como ousa chama nossa fia de boitatá. Suma daqui seu fio duma égua.

JUVENAL: Sumo memo, eu é que num quero casá cum aquele tramboio.

CORONEL: O negócio vai sê mais dificir do que eu pensei.

TERÊNCIO: Licença, coronel.

CORONEL: Chega mais, Terêncio. Veio conhecê mia fia.

TERÊNCIO: Vim sim, coronel, já ta na hora de um homi como eu constitui famia e sua fia deve de sê muito linda.

CORONEL: Ela é insuperave. Pode entra que ela ta lhe esperando.
                      ( Terencio entra e o coronel e a patroa tapam os ouvidos. Terencio grita de dentro da casa)

TERÊNCIO: Meu Jesus Cristinho, me sarve. Socorro, larga eu coisa ruim. Socorro.
                     ( sai correndo e nem conversa com o coronel)

PATROA: (chorando) Ai que desgosto, ninguém qué a nossa fia.

CORONEL: Pra ela casá, só um milagre.
                     (Os dois saem abraçados e chorando. Aparecem Eufrazina,vestida horrivelmente, e Ernestina.)

EUFRAZINA: Mãe, seu prano deu certo. É só os rapais me vê que eles sai correndo.

ERNESTINA: Num sô fraca não, mia fia. Ocê já é feia, mas com um toque especiar fico horríver. Assim num há
                        Homi que tenha corage de lhe encará.
                          (as duas saem rindo. Então aparecem dois forasteiros, um malandro e um míope)

LUIZÃO: (falando com sotaque carioca) Podes crê, Creosvaldo, aqui tem uma gata rica querendo se casar. E o seu
                Mano velho vai se dá bem.

CREOSVALDO: Mas o pai dela qué que ela se case cum moço rico e ocê é pobre que nem qui eu.

LUIZÃO: Deixa disso, meu irmão, sô pobre mais tenho cultura. Já morei no Rio de Janeiro, esqueceu?

CREOSVALDO: Mas do Rio, ocê só conhece a favela.

LUIZÃO: E favela também é cultura. Eu vô jogá um migué na cabeça do coronel. Vem, vamo chegá na casa dos             
                 Magnata.
                 ( Creosvaldo tropeça e cai)

CREOSVALDO: Ai!!

LUIZÃO: Cuidado, Creosvaldo, esqueceu que você não enxerga bem.
                  (aparece o coronel e a patroa)

LUIZÃO: Boas tardes, senhor coronel e dona patroa.

O CASAL: Batarde, moço.

CORONEL: Quem é o sinhô e seu amigo?

LUIZÃO: Eu sou Luiz Bragança e Silva e esse aqui é meu criado Creosvaldo.

CREOSVALDO: O que?

LUIZÃO: (cochixando para Creosvaldo) Cala a boca que a gente vai se dá bem.

LUIZÃO: Como eu dizia, eu sou um rico fazendeiro lá do sul do país. Vim aqui à passeio e ouvi falar da formosura
                De sua filha. Então decidi conhecê-la.

PATROA: Nem tudo ta perdido.

CORONEL: Eu faço muito gosto que ocês se conheça. Vai lá chama ela Dona Patroa. Enquanto isso, eu vô leva o
                  Creosvaldo pra tomá água de poço.
                   ( sai a patroa, o coronel e creosvaldo. Entra Eufrazina)

EUFRAZINA: Que é que ocê qué, seu porquera?

LUIZÃO: (fingindo) Que flor de formosura, que delicadeza de donzela.

EUFRAZINA: Tu ta ficando loco?

LUIZÃO: Assim que te vi, meu coração disparou num ápice de amor.

EUFRAZINA: Ocê bebeu querosene?

LUIZÃO: Eu quero me casar com você, meu amor!
                 (ele tenta abraçá-la, mas ela corre)

EUFRAZINA:  To fora!!

LUIZÃO: Isso, me despreza que eu gamo.

EUFRAZINA: Eu não vou me casar com ocê de jeito manera.

LUIZÃO: (num tom ameaçador) Ah, vai sim. Eu sei que seus pais querem que você case de todo jeito e que não
                Há mais nenhum pretendente disposto a te encarar. Então eu serei seu esposo e herdeiro da fortuna do
                Coronel.

EUFRAZINA: Seu porco, fio de uma jumenta, eu vou te...

LUIZÃO: Calma, meu amor, seus pais vem vindo.
                  (entra a patroa, o coronel e creosvaldo)

LUIZÃO: Coronel, eu quero pedir a mão de sua filha em casamento.

CORONEL: Num leva só a mão não, leva tudo de uma vez.

PATROA: (emocionada) Coronel, nossa fia finarmente encontro o amor de sua vida.

EUFRAZINA: To ralada.

CORONEL: Então eu vo aprepará o casório antes que o noivo desista. Vem comigo Doto Luiz.
                     (sai a patroa, luizão e o coronel)

EUFRAZINA: Buá, buá, eu num quero casá cum esse safado.

CREOSVALDO: Carma, moça, o que qui foi?

EUFRAZINA: Esse safado do seu patrão que dá o gorpe do baú ni mim. Eu sô tão feia, mas ele qué casa pra botá
                       As pata no dinheiro do meu painho.

CREOSVALDO: Eu num acho ocê feia.

EUFRAZINA: Qué me dá o gorpe tamém.

CREOSVALDO: Não, eu nasci pobre e hei de morre assim. Essa é a sina da minha famia. Eu num enxergo direito
                          E só vejo a beleza de uma pessoa pela personalidade e não pela sua cara.

EUFRAZINA: E daí?

CREOSVALDO: Ocê é dispachada e eu gosto de muié assim.

EUFRAZINA: (apaixonada) como é seu nome?

CREOSVALDO: Creosvaldo, as suas orde.
 
EUFRAZINA: Ocê se casaria cum eu?

CREOSVALDO: Eu... eu...
                            ( voltam o coronel, a patroa, luizão e ernestina e interrompem a conversa)

CORONEL: Minha fia, ta tudo pronto pro casório, amanhã cedo ocê desencaia e recebe o premero beijo de amo.

PATROA: Aí, adeus catiça.

EUFRAZINA: Mainha e painho, eu me apaixonei por outro homi, num quero me casá cum esse Doto ai não.

LUIZÃO: (dando uma de macho) Eu mato o infeliz!

ERNESTINA: (fala só para eufrazina) Ocê ta doida, vai arruma mais cunfusão ainda pra tua cabeça?

EUFRAZINA: Eu to apaixonada pelo Creosvaldo e vou me casá cum ele.

ERNESTINA: Fia, mais se ocê beijá ele, ocê vai continuá feia e vão discubri que esse negócio de catiça é mentira.
                        Ocê vai vortá a ser pobre.

EUFRAZINA: Vale a pena ser pobre se é pra ser amada.

LUIZÃO: Então, quem é o suíno que se atreveu a buli na minha amada.

CREOSVALDO: (todo tímido) Fui eu primo.

TODOS: OH!

CREOSVALDO: Eu me apaixonei por Eufrazina assim que ouvi a voz dela.

CORONEL: Ninguém queria a feiosa, agora tem dois quereno.

ERNESTINA: Eu tenho uma solução pra acaba com a pendenga.

TODOS: Qual?

ERNESTINA: Aquele que beijá a moça e quebra a catiça gosta dela de verdade e será seu esposo.

CORONEL: Feito! Quem vai se a primera vítima?

LUIZÃO: Eu! Não deixarei outro homem beijar a minha amada. Não há catiça que resista ao meu beijo.
               ( Luizão se aproxima de Eufrazina, ela faz um bico bem feio e ele faz cara de nojo, quando ele está a
                Ponto de beijá-la começa a chorar e dizJ

LUIZÃO: Eu não consigo. Ela é muito feia, eu desisto. Pode fazer bom proveito, Creosvaldo.
                   (luizão sai)
CORONEL: Sua veis, Creosvaldo.

CREOSVALDO: Chega mais, minha potranca.
                          (Ele abraça Eufrazina, a deita pra trás e dá um grande beijo nela).

TODOS: OH! Credo!

EUFRAZINA: Meu amor.

PATROA: Mas a catiça não se desfez. Ela ainda é horrorosa.

CREOSVALDO: Pois pra mim, ela é a mais linda das muié.

ERNESTINA: Eu não disse que a catiça ia se quebra com o premero beijo de amo?

CORONEL: Mas ela ainda é feia.
ERNESTINA: Feia pro senho. Mas pro futuro marido dela, ela é linda e é isso que interessa.

CORONEL: Ta bom. Quem vai te que encará o trubufú todo dia é ele mesmo.

PATROA: Sorte que ele enxerga mal.

ERNESTINA: Que que ocês tão esperando. Vai logo chamá o juiz pra faze o casório.

PATROA: Vamo logo, Coronel. Vamo Creosvaldo.
                  ( os três saem)

EUFRAZINA: Mainha, a senhora sarvo minha pele. Como sabia que o Creosvaldo ia me acha bonita.

ERNESTINA: Fia, dizem quando a gente ama fica cego. Imagina um homi que já é meio cego quando fica
                        Apaxonado. Ele encara quarque parada.

EUFRAZINA: Choquei, mainha!



                                                                        FIM





                                                                                                           Denizia Moresqui

















                                                                        FIM





                                                                                                           Denizia Moresqui

















O circo no Moreschi

 Bairro Moreschi (Fazenda Anjo da Guarda), local onde, possivelmente, o circo fora montado                                           ...