Eu moro ao lado da Igreja Católica há 36 anos. Assim como
hoje, já ouvi inúmeros avisos de falecimentos através do autofalante da Matriz.
Sempre o mesmo texto com alterações apenas nos horários e dados pessoais do
falecido. Mas, ainda ouvindo o mesmo texto tantas vezes, há uma frase que
sempre me faz refletir: “A família convida parentes e amigos para o seu
sepultamento”. Por que numa hora de grande dor, convidamos parentes e amigos a
estar ao nosso lado? A resposta é simples: porque precisamos deles para
acalentar essa dor. E não precisamos mais de uns que de outros, precisamos de
todos. Pois todos acompanham nossa caminhada.
Há alguns dias, tenho passado por um dilema: escolher entre
parentes e amigos. Como fazer isso? Explico melhor. Em 1988, minha família, que
era proprietária de muitas terras, foi à falência. Da noite para o dia, ficamos
sem casa, sem emprego, sem nada. Meus tios Miro e Cézar Bessani eram donos de
um supermercado aqui em Itambé. Eles venderam fiado para nós durante um ano,
sem saber se iriam receber pelas mercadorias. Por outro lado, na década de 90,
passei por um grande sofrimento pessoal. Meus amigos de infância já não moravam
em Itambé, então comecei uma amizade com a Luciana e o Carlinhos. Eles me
levavam para passear, acampar, me faziam rir, ouviam meus desabafos. Foram
responsáveis por alimentarem minha alegria e minha esperança.
Se algum dia, me pedissem para escolher entre os meus tios,
Miro e Cézar, ou os meus amigos, Luciana e Carlinhos, como eu poderia fazer
essa escolha? Todos são importantes na minha vida, uns alimentaram meu corpo,
outros a minha alma. Como definir o que é mais importante? Eu não sei, confesso
a minha incapacidade extrema nesse assunto.
Meu dilema hoje não envolve as pessoas aqui citadas, mas sim
outros amigos e outros parentes. Podem me acusar de querer ficar em cima do
muro para ver o que acontece. No ano passado, durante a crise que se
estabeleceu em nossa cidade, eu não fiquei em cima do muro, assumi publicamente
um lado. Sofri muito por isso e estiveram comigo parentes e amigos para me
apoiar. Não é da minha natureza a indecisão. Mas como escolher entre parentes e
amigos? É como se me pedissem para dividir meu coração ao meio e continuar
vivendo. Entre parentes e amigos, eu fico com todos e assumo as consequências
da minha falta de escolha. Porque meu amor não se divide, ele só se multiplica.
Só assim, eu consigo viver e ter esperança.