ESCREVENDO O FUTURO
Minha casa na fazenda era grande e o quintal era maior ainda. Na verdade, o quintal era infinito, porque não havia cercas ou muros para limitá-lo. Minha mãe também não tinha limite, varria tudo com uma vassoura de mato. Trabalhava do nascer ao pôr do sol, sem nenhuma remuneração. Meu pai acreditava que mulher não precisava de dinheiro, que comida na mesa era o suficiente.
Foi numa tarde dessas, quando eu a observava varrendo o infinito quintal que comecei a refletir sobre o futuro. Eu detestava serviços domésticos: varrer, lavar, limpar, esfregar… definitivamente, este não era meu dom, ainda mais trabalhar de graça. Já minha mãe amava ver a casa limpinha. Apesar de morarmos numa fazenda de terra vermelha, nossa casa estava sempre impecável e em ordem. Eu também gostava disso, mas não queria passar minha vida toda nesta rotina.
E as mães conhecem seus filhos. A minha sempre me disse para eu estudar e ter uma profissão, que casamento não era garantia de futuro, que toda mulher deveria ter seu próprio dinheiro, que conhecimento ninguém tira da gente.
Talvez ela tenha projetado em mim seus próprios anseios. Até aquele momento, ela não tivera esta chance, se casou aos quatorze anos, sem o ensino fundamental completo. Logo vieram os filhos, as obrigações de mãe e esposa… e os sonhos ficaram trancados no coração, certos de que nunca sairiam de lá.
Vendo a cena da minha mãe, Vera Lúcia, varrendo o quintal, pensei:
“Não quero este futuro para mim. O que vou fazer então? Seguir o conselho da mãe: ESTUDAR e ter uma profissão. Assim poderei pagar alguém para limpar minha casa.”
Dessa forma, vivi todo meu período escolar. Depois passei no vestibular para um curso que minha mãe escolheu. Eu queria jornalismo, mas na universidade mais próxima da cidade de Itambé, não havia este curso. Então ela me aconselhou a fazer Letras, já que eu gostava tanto de escrever.
Não foi fácil, eu pegava um ônibus de Itambé até Maringá todos os dias. Pensei em parar inúmeras vezes, porque eu estudava de manhã e trabalhava numa escola durante a tarde. Era muito cansativo. Porém, minha mãe me fez persistir.
Então, em 1998, recebi o meu diploma, fui a primeira da família a concluir o Ensino Superior. Depois de mim, uma a uma, minhas irmãs também fizeram faculdade, só meu irmão que não fez, porque ele já tinha profissão. Ele sempre preferiu trabalhar a estudar.
No entanto, a parte mais incrível desta história foi ver minha mãe estudar também. Ela concluiu o Magistério, quando nos mudamos para a cidade, e conseguiu um emprego de professora. Com este trabalho ajudou a sustentar a família, já que meu pai perdeu tudo por causa de dívidas.
Anos mais tarde, cursou Pedagogia na cidade de Jandaia do Sul, realizando assim um sonho quase esquecido. Como o curso era particular, precisamos economizar em casa para que ela pudesse pagar as mensalidades. Comemos carne moída por três anos.
Tive o privilégio de ir à sua formatura. Percebi que a felicidade dela foi ainda maior que a minha, quando eu me formei. Talvez porque a luta dela tenha sido bem maior. Eu contei com sua ajuda no meu caminho. Ela precisou lutar sozinha e fez dos obstáculos uma coroa de vitória.
Hoje como professora, sempre tento passar para meus alunos os conselhos da minha mãe, mostrando a eles que a educação é importante para termos oportunidades melhores no futuro, para garantirmos o pão de cada dia, para sermos independentes. Como eu gostaria que todos ouvissem e seguissem estes conselhos! Principalmente as meninas…

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